Parlamento de Portugal aprova pela terceira vez o regulamento da eutanásia | Sociedade

A legislação sobre a eutanásia em Portugal está a revelar-se um caminho espinhoso. Não está claro que a terceira tentativa prosperará. Esta tarde foram aprovados quatro projetos de descriminalização, apresentados pelos Socialistas (PS), pela Iniciativa Liberal, pelo Bloco de Esquerda e pelo animalista PAN. Os textos que receberam luz verde no Parlamento voltarão a ser escrutinados pelo Chefe de Estado, o que não exclui devolvê-los à Câmara ou reenviá-los ao Tribunal Constitucional caso não estejam convencidos pela sua articulação jurídica. Também foi apresentada na Assembleia uma proposta da extrema-direita Chega (a terceira força, com 12 lugares) para submeter a descriminalização a referendo. Uma proposta que recebeu o apoio público do novo líder do conservador Partido Social Democrata (PSD), Luís Montenegro, mas que acabou por ser rejeitada na Câmara.

A plenária também confirmou o único deslizamento de terra causado pela regulamentação da eutanásia em Portugal. No bloco que votou contra todos os projetos descriminalizadores, coincidiu a maioria dos deputados conservadores (63 de 77), os 12 do Chega, os 6 do Partido Comunista Português e 7 socialistas. Tanto o PS como o PSD deram liberdade de voto aos seus deputados. Do principal partido da oposição intervieram dois parlamentares que defenderam posições opostas.

A maioria política que apoia a regulamentação da eutanásia na Assembleia da República já enfrentou por duas vezes o bloqueio do projeto pela Presidência da República, ocupada por Marcelo Rebelo de Sousa, político de família conservadora caracterizado tanto pelo seu pragmatismo político e seu catolicismo praticante. Na primeira ocasião, Rebelo de Sousa remeteu a lei para consulta ao Tribunal Constitucional, que em março de 2021 a declarou inconstitucional em acórdão dividido (sete contra cinco) e impediu a sua entrada em vigor.

A Câmara incorporou as modificações propostas pelo Tribunal Constitucional e votou a nova versão pouco antes da crise política forçar a convocação de eleições antecipadas no outono passado. Em novembro, Rebelo de Sousa novamente frustrou a aprovação da norma, considerando que havia imprecisões legais quanto à classificação da doença que poderia abranger o pedido de eutanásia. “Para a eutanásia e o suicídio assistido por médico, o legislador tem de escolher se requer apenas uma doença grave, uma doença grave e incurável ou uma doença incurável e fatal”, disse na altura a Presidência da República.

Rebelo de Sousa questionou ainda os deputados sobre a influência da lei espanhola, aprovada em março de 2021, na redação da proposta portuguesa. Na opinião do Presidente da República, a norma espanhola está alinhada com os Estados europeus que aprovaram legislação “mais drástica ou radical” em relação às propostas mais mornas do Canadá ou da Colômbia. “O que justifica, em termos de sentimento social dominante no nosso país, que não existisse em fevereiro de 2021, na primeira versão da lei, e que agora exista em novembro de 2021, na sua segunda versão? O passo dado na Espanha?” Rebelo de Sousa perguntou na carta que enviou ao presidente da Assembleia no final de 2021.

Os quatro projectos aprovados esta tarde na Câmara substituem a expressão “doença fatal” por “doença grave e incurável” para tentar responder às exigências de Rebelo de Sousa. A legislação tem o apoio da maioria da Câmara, onde o Partido Socialista tem maioria absoluta (120 cadeiras). A que se somam os deputados da Iniciativa Liberal (com 8), os do Bloco de Esquerda (5) e os deputados do Livre e do PAN.

O apoio político majoritário à regulamentação da eutanásia não é acompanhado pelo apoio das organizações profissionais. As associações médicas, de enfermagem e de advogados se manifestaram contra os textos propostos. “Matar o paciente porque ele pede, administrando uma injeção ou dispensando um medicamento com a intenção de matar, são práticas que não cabem no exercício da medicina (…) Eutanásia e suicídio assistido podem ser descriminalizados ou autorizados por lei , mas não pertencem à medicina, não se configuram como atos médicos”, defende o Colégio dos Médicos em seu parecer, segundo o jornal Público.

Calvin Clayton

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