Portugal e o estigma da maioria absoluta | Mundo

“Se não houver maioria absoluta, teremos miniciclos.” O líder socialista português, António Costa, apelou hoje aos eleitores para evitarem uma dinâmica de crise em loop em Portugal, enquanto a oposição recordou que dar carta branca a um único partido deixou um terrível legado no país.

Costa monopolizou o protagonismo no último debate realizado hoje entre os candidatos -sete dos nove partidos com representação parlamentar devido à ausência do líder da oposição, Rui Rio, e do extrema-direita André Ventura-.

“Devemos resolver isso de uma vez por todas, dar estabilidade e não passar de crise em crise”, insistiu o primeiro-ministro durante o encontro, transmitido ao vivo pela rádio e televisão e o último dos trinta debates organizados antes das eleições legislativas do dia 30 , em que seu partido é o favorito.

“No que diz respeito ao Partido Socialista (PS), a crise política termina no dia 30” porque “é preciso concentrar-se na recuperação do país, não se pode perder mais tempo”, defendeu Costa.

A reivindicação socialista, que começou com uma tímida menção a “maiorias suficientes” e terminou com uma clara alusão aos “absolutos”, esquentou a campanha e afetou inclusive o conservador Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República, que , segundo Costa, ele não permitiria que seu governo “ultrapassasse” os limites.

LIMITE PRESIDENCIAL

“Quem pode acreditar que com um presidente como Macelo Rebelo de Sousa uma maioria do Partido Socialista possa passar dos limites? Não só pela sua experiência como constitucionalista, mas pela confiança que os portugueses nele depositam?” Costa disse hoje.

Rebelo, reeleito para um segundo mandato de cinco anos em janeiro de 2021, é do conservador Partido Social Democrata (PSD), “uma família política diferente do Partido Socialista”, lembrou o primeiro-ministro.

Sobre as futuras relações entre os dois, no caso de uma nova vitória socialista, Costa não tem dúvidas: “Confio que vão ficar bem, como têm estado até agora”, embora o presidente português “estabeleça limites”.

A maioria absoluta, insiste Costa, não é um risco. “Somos um partido de equilíbrio, de concórdia nacional”, afirma. “Fui autarca de Lisboa durante oito anos, seis com maioria absoluta, e não foi por isso que deixei de falar com toda a gente e de procurar acordos.”

REJEIÇÃO ESQUERDA E DIREITA

A afirmação de Costa levanta bolhas na oposição.

Pela esquerda, a coordenadora do Bloco de Esquerda (BE), Catarina Martins, fala das “más memórias” das maiorias absolutas, enquanto o comunista João Oliveira censura o PS por “se fechar no pior da sua tradição”.

“Existem perigos relevantes”, segundo Rui Tavares, do Livre, e “não são desejados pela maioria dos portugueses”, diz Inês de Sousa, do ativista animal PAN.

Nas fileiras da direita, João Cotrim de Figueiredo, da Iniciativa Liberal (IL), denuncia a “tomada do aparelho de Estado” e Francisco Rodrigues dos Santos (CDS-PP) considera que Costa já ultrapassou “o alcance da Seus poderes”.

Rui Rio, líder do PSD e largamente ausente do debate, é contundente: “A maioria qualificada só pode existir se PS e PSD se entenderem” porque “a possibilidade de maioria absoluta nestas eleições está muito próxima zero.”

As últimas sondagens dão aos socialistas até 40% dos votos, cerca de dez à frente do PSD mas longe da maioria absoluta, e projectam uma subida da extrema-direita, com um nível de indecisos que ronda os 20%.

Porquê esta rejeição absoluta das maiorias absolutas em Portugal?

EXPERIÊNCIAS RUINS

A resposta está na história recente do país, com quatro maiorias absolutas da direita (PSD) e uma do PS.

Os conservadores governaram com a Aliança Democrática (AD) de Francisco Sá Carneiro (1979 e 1980), que morreu num acidente em dezembro de 1980. Um breve mandato em que avançou num programa de privatizações.

Cavaco Silva (1985-1995) conseguiu duas maiorias absolutas e o governo mais longo da democracia portuguesa, mas deixou a liderança do PSD num clima de conflito social e escândalos de corrupção, embora tenha regressado à política como Presidente da República ( 2006-2016).

Em 2005 foi a vez do socialista José Sócrates. Quatro anos depois, venceu por maioria simples e teve que renunciar no meio da legislatura. Em 2014 foi acusado de fraude fiscal, lavagem de dinheiro e corrupção e em 2021 o Ministério Público reduziu os 31 crimes iniciais para seis em uma decisão surpreendente.

Sócrates não poupou ataques aos seus ex-companheiros socialistas, o que o porta-voz do PS então qualificou de “tremenda injustiça” porque “o partido nunca apagou a história e sabe que José Sócrates deu a primeira e única maioria absoluta ao PS”.

Nem os portugueses apagaram da memória a gestão de Sócrates.

marinha do mar

Calvin Clayton

"Encrenqueiro incurável. Explorador. Estudante. Especialista profissional em álcool. Geek da Internet."

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *