A comissão independente criada pela Conferência Episcopal Portuguesa para investigar casos de abuso sexual de menores, ocorridos a partir de 1950 na Igreja, recebeu 102 denúncias em apenas cinco dias, segundo o coordenador da comissão, o psiquiatra infantil Peter Stretch. Os depoimentos chegaram por e-mail ou telefone.
A Conferência Episcopal Portuguesa anunciou em novembro passado a criação desta comissão para investigar casos de abuso sexual que possam ter sido cometidos no passado por membros do clero, ou leigos no exercício de alguma atividade religiosa. Durante o anúncio do lançamento deste estudo “histórico”, o presidente dos bispos portugueses, José Ornelas, assegurou que a Igreja “não tem medo, muito pelo contrário” dos resultados que possam surgir durante a investigação. O anúncio, que foi uma virada radical em relação à estratégia que a Igreja portuguesa mantinha até então de minimizar a pederastia, veio logo após o pedido público de 241 católicos de diferentes áreas, do judiciário à cultura, para abrir uma investigação nacional independente abuso sexual cometido nos últimos 50 anos.
Esta comissão foi apresentada a 10 de Janeiro. “Não sabemos até onde vamos, mas podem contar connosco porque não vamos desistir”, o psiquiatra português, autor de cerca de trinta livros especializados em crianças e psiquiatria adolescente, proclamado naquele dia. O calendário que a comissão estabeleceu reserva o primeiro semestre para a recolha de reclamações e análise documental, com a intenção de apresentar um primeiro relatório no final deste ano.
Os abusos não prescritos serão denunciados aos tribunais. Em outubro passado, a Assembleia da República aprovou um projeto de lei que aumenta para 15 anos a prescrição dos crimes sexuais contra menores, que só começará a contar quando a vítima atingir os 35 anos e não quando atingir a maioridade. Na prática, permite alargar para 50 anos o tempo em que a vítima pode tomar a iniciativa de ir a tribunal para denunciar o seu caso. Além disso, se o menor era menor de 14 anos quando ocorreu o abuso, a prescrição será ainda mais tardia, pois começará a contar quando o afetado completar 40 anos (na prática, ele pode denunciar até 55 anos de idade).
O critério objetivo que a comissão concordou em considerar que há um caso de abuso é o de um ato sexual que tem relevância jurídico-penal no Código Penal. Além do psiquiatra Strecht, a comissão é composta pela socióloga Ana Nunes de Almeida, o ex-ministro da Justiça, Laborinho Lúcio, o psiquiatra Daniel Sampaio, a terapeuta familiar Filipa Tavares e a cineasta Catarina Vasconcelos.
Os bispos portugueses seguem assim o caminho de seus colegas na França, Bélgica e Alemanha, onde o passado da Igreja também foi escrutinado em relação aos abusos sexuais.
Na Espanha, a Conferência Episcopal (CEE) assegura que está investigando os 251 casos de abuso que o EL PAÍS entregou ao seu presidente, o arcebispo de Barcelona, o cardeal Juan José Omella, embora não especifique como serão as investigações realizado e se recusa a criar uma comissão independente. Conhecido o dossiê do EL PAÍS, o Papa Francisco e Omella conversaram. O Vaticano, como costuma fazer quando as denúncias são tão numerosas e não pertencem a uma única ordem, diocese ou abusador específico, supervisionará todo o processo realizado pela Conferência Episcopal através da Congregação para a Doutrina da Fé. Roma vai aguardar os resultados, que, segundo seu próprio código, devem sair em no máximo três meses.
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