Quando o enorme paquiderme chegou a Portugal vindo da Índia, toda a aristocracia lisboeta veio a Belém para presenciar o espetáculo.
Salomão tinha a qualidade de causar espanto e alegria aos habitantes das terras por onde passava, talvez por “chegamos sempre onde nos esperam”.
Pouco tempo depois, os senhores e senhoras perderam o interesse e o animal caiu no esquecimento. Acontece que o rei João III e sua esposa, a Rainha Catarinaeles se sentiram em dívida com seu primo, o Arquiduque Maximiliano da ÁustriaEles acreditavam que não haviam lhe dado o suficiente por ocasião do casamento, que não haviam lhe dado um presente de casamento adequado para o relacionamento deles.
Agora que o tinham por perto, visitando Valladolid, era conveniente ficar bem com alguém que tinha tanto poder no Europa do século XVI. E resolveram dar a ele algo lúcido, mas sem investir muito, para dar o que sobrar. Salomão, o elefante, foi o presente perfeito. Tinha todas as qualidades de um capricho: exclusivo, exótico e inútil.
Os monarcas portugueses prepararam a primeira parte da viagem, de Belém (Lisboa) à corte castelhana em Valladolid. A partir daí, seria seu primo Maximiliano quem se encarregaria de transportá-lo até a corte de Viena.
Lisboa, Constanza, Castelo Novo, Belmonte e Castelo Rodrigo, já ao pé da fronteira espanhola, foram os locais de passagem. Continuar por Ciudad Rodrigo até Valladolid, embarcando no porto de Rosas (Girona) para chegar a Gênova e atravessar os Alpes italianos e austríacos até Viena.
Siga os passos do elefante Salamon pelo interior de Portugal é agora a proposta lançada pelo Rota da Viagem do Elefanteuma ideia desenvolvida pelo Associação de Desenvolvimento Regional dos Territórios do Côa, com sede em Almeida. “Percebemos que podíamos criar um percurso baseado no livro A Jornada do Elefante (2008), de Saramago, quando vimos turistas espanhóis a passear por Castelo Rodrigo com um livro aberto como guia”, conta a SALAMANCA AL DÍA Dulcineia Catarina Moura See Morecoordenador da Associação.
Este percurso inclui territórios da Beira Interior e não o percurso completo desde Lisboa, passando também por alguns locais por onde Salomão não passou. Assim, vai da Beira Baixa ao Douro Superior, sempre contornando a fronteira. começa em novo castelo (Fundão) e passa por penamacor, belmonte, sortelha (Sabugal), Guarda, Almeida, cidadelhe (Pinhel), Marialva (meda), Foz Côa e termina perto da fronteira espanhola, em Castel Rodrigo.
Mais da metade desses pontos são cidades históricasassim denominados pela sua singularidade arquitetónica e pelo seu papel na consolidação da identidade portuguesa, e fazem parte da rede de 12 Aldeias Históricas de Portugal. O percurso também coincide com alguns pontos da Caminho Português Interior de Santiagoque liga ao Caminho Central Português.
O percurso é definido pela Associação dos Territórios do Côa como turístico-literárioseria inspirado pelo trabalho A viagem do elefante e seria uma reinterpretação disso. Procura aproveitar a riqueza cultural desta região do interior de Portugal, “realizando networking que tem dado origem a um produto cultural e turístico”, sublinha Dulcineia C. Moura.
A metáfora da vida como caminhoas relações entre os humanos e os outros seres vivos, a diferença entre religião e espiritualidade, a desconfiança entre Espanha e Portugal, a hipocrisia ou hierarquias sociais, eclesiásticas e políticas são temas que surgem durante a viagem de Salomão, onde Saramago combina factos históricos e ficção, saindo do suposto inteligência superior do ser humano em questão.
A Rota do Elefante mergulha nestes símbolos e também se relaciona com outras obras de Saramago, principalmente com viajar para portugal (1981), comenta o coordenador.
Para realizar o percurso, tem acesso a informação através um aplicativo e códigos QR. Também oferece a possibilidade de um passaporte digital para deixar um rastro de nossa jornada. Incluirá informação literária sobre esta e outras obras do autor, bem como a biografia do Prémio Nobel da Literatura e a sua relação itinerante com esta região. Mas, acima de tudo, pretende ser um instrumento para conhecer pontos significativos da Beira, com todo o tipo de informação turística sobre o território. E sobre a relação de Saramago com o pensador português Eduardo Lourençonascida na região, em São Pedro de Rio Seco (Almeida), segundo Dulcineia Moura.
A mesma associação lançou em 2013 um guia com o título de Caminho de Salomão-Rota Portuguesa no Vale do Côadisponível em pdf e que apresenta a parte do percurso que passa pelo vale do rio Côa.
Esta entidade promove ainda a Grande Rota do Côa, com 196 quilómetros de extensão, a fazer a pé, de bicicleta ou a cavalo, que vai desde a nascente do rio na fronteira espanhola em Fóios (Sabugal) até à sua foz em Vila Nova de Foz Coa.
Segundo o coordenador da associação, a sinalização do percurso A Jornada do Elefante estará completo nos próximos meses, uma vez que a elevada protecção a que está sujeito o traçado urbano da maioria destas localidades condiciona a colocação de mais placas. Em seguida, o aplicativo terá todas as informações.
Todos os municípios por onde passa o percurso têm colaborado neste projeto, bem como a entidade Turismo de Portugal, a Direção-Geral de Cultura do Centro e a Fundação José Saramago. O percurso foi apresentado a pilar do riopresidente do Conselho de Administração da fundação, na Casa dos Bicos, sua sede em Lisboa, no ano passado.
O elefante asiático e o seu tratador hindu percorreram o interior da Península Ibérica no verão e os Alpes nos rigores do inverno, juntamente com os membros de uma grande caravana, numa viagem patética e caprichosa. Foram-se os alegres banhos de Salomão no Tejo, os humanos que acreditavam que o elefante era Deus e o posto fronteiriço de Castelo Rodrigo.
O músico estremenho louis pastor compôs o trilha sonora para um espetáculo de teatro de rua baseado em A Jornada do Elefantecriada em 2013 pela empresa portuguesa BATER, e que foi representado pelas cidades da Espanha e de Portugal que aparecem na obra. Poemas de José Saramago serviram de letra a essas 14 canções.
Ao que tudo indica, um ano antes da sua morte, José Saramago quis empreender uma nova viagem interior ao interior de Portugal, e caminhar com passos novos sobre os do elefante Salomão. Ele já disse o Nobel que “O fim de uma viagem é apenas o começo de outra. Devemos recomeçar a viagem. Sempre”.
Mais informações sobre o percurso turístico-literário A viagem do elefante aqui
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