“Decidi ir para o estrangeiro quando percebi que era a única forma de ajudar a minha família”


De origem cubana, Niurkis Céspedes decidiu deixar seu país natal para ajudar sua família a melhorar sua situação econômica. O percurso desta enfermeira inicia-se com uma missão nacional em Cuba, separando-se do filho e da família, para depois se mudar para Angola para trabalhar como professora e auxiliar de enfermagem durante sete anos. Uma viagem de trabalho a Itália permite-lhe conhecer a Europa, até sair dela, após uma visita turística à Portugal, fazê-lo se estabelecer em nosso país vizinho. Atualmente é enfermeira do Unidade de Cuidados Continuados São Roque (Lisboa).

Perguntar. Você é cubano, em que momento decidiu ir trabalhar para o exterior?

Niurkis viajou de Cuba para Portugal
Nirukis Cespedes

Responder. Em Cuba, ir trabalhar para o exterior é o sonho de todo trabalhador. Decidi deixar meu país quando percebi que era a única maneira de ajudar minha família a melhorar nossa situação econômica. Alguns têm mais sorte do que outros para fazê-lo. No caso dos profissionais de saúde, partimos em missões internacionais se cumprirmos os parâmetros exigidos.

Eu era chefe do Departamento de Enfermagem da Nuevitas Medical Sciences Branch, em Camagüey, e houve um chamado para realizar uma Missão Nacional em uma Escola de Enfermagem de língua inglesa em Jaguey Grande, Matanzas. Esta faculdade situava-se numa das antigas escolas onde iam trabalhar os alunos do pré-vestibular. Separei-me do meu filho e da minha família para ir para esta missão nacional pois era a única forma que me garantia sair para cumprir uma missão internacional como professora, que concretizei em Abril de 2012 quando parti para Angola como professora de Enfermagem .

P. Porquê Lisboa? O que fez você se mudar para um país tão longe de casa?

R. Trabalhei em Angola como enfermeira docente e assistencial de 2012 a 2019, primeiro para o governo cubano e depois por conta própria. Em novembro de 2018 viajei para a Itália para um evento, representando a clínica onde ela trabalhava em Luanda, e pude conhecer uma parte da Europa, adorei a experiência. Em 2019 decidi viajar como turista para Portugal e não voltei, fiquei em Lisboa.

P. Tem sido difícil para você começar uma nova vida lá?

R. Sim, tem sido difícil e ainda é. Sem relacionamentos, sem família, línguas e costumes diferentes. Toda a minha vida profissional (34 anos trabalhados entre Cuba e Angola) não é reconhecida em Portugal. Aqui comecei como recém-licenciado e ser Mestre em Humanidades Médicas e Professor Adjunto em Ciências Médicas não me serve para nada, entre outros cursos e pós-graduações recebidos e ministrados.

P. Faz pouco tempo, como tem sido a sua adaptação no país, com as pessoas, a língua e o trabalho?

R. No início foi difícil adaptar-me ao país, ao frio, à convivência, os portugueses são gentis e sinceros mas a forma de relacionar-se é muito diferente do que estava habituado. O idioma foi mais fácil pela experiência que tive porque o português é falado em Angola e, apesar de não ser exatamente o mesmo, pelo menos permitia que eu me comunicasse.

Com o trabalho foi mais difícil, embora tenha começado 15 dias depois de ter chegado, foi como auxiliar num lar de idosos onde as minhas funções eram limpar, lavar roupa, cozinhar e cuidar da higiene dos senhores, pois sem a aprovação dos a Ordem dos Enfermeiros não pode exercer.

Foi um processo de três anos entre a validação do título e a obtenção do nível C1 em Língua Portuguesa na Universidade de Letras de Lisboa. A língua portuguesa aprendida em Angola não me ajudou muito, principalmente na escrita.

Tem sido difícil, em geral, começar uma nova vida, e ainda é. Sem relacionamentos, sem família, línguas e costumes diferentes.

Toda a minha vida profissional (34 anos trabalhados entre Cuba e Angola) não é reconhecida em Portugal. Aqui comecei como recém-licenciado e ser Mestre em Humanidades Médicas e Professor Adjunto em Ciências Médicas não me serve para nada, entre outros cursos e pós-graduações recebidos e ministrados.

P. Quais são as diferenças entre os sistemas de saúde português e cubano? Você conhece o da Espanha para saber se eles são semelhantes?

Niurkis viajou de Cuba para Portugal

R. Em Cuba, o sistema de saúde é estatal, não há assistência médica privada e, embora isso pareça ser uma grande vantagem, na realidade não é nada, pois as instituições de saúde em Cuba, que são para a população, carecem de muitos recursos e a tecnologia é praticamente inexistente. Os currículos e atualizações de conhecimentos são arcaicos desde os estudos primários, e são mais voltados para a política, o que não ajuda a preparar os alunos que iniciam os estudos em escolas médicas ou outros níveis superiores, afetando a preparação dos recursos humanos.

Em Portugal existe uma melhor base de conhecimento nas ciências, humanidades e tecnologia, os alunos trocam conhecimentos e experiências com outros países europeus, o que contribui para uma melhor preparação. Não conheço o sistema de saúde da Espanha, embora gostaria.

P. Os requisitos para ser enfermeiro em Cuba são muito diferentes dos exigidos em Portugal?

R. Os requisitos são semelhantes. O Plano de Estudos de Portugal e Cuba são semelhantes. Não precisei fazer nada do zero. Acho que o de Cuba supera o de Portugal em horas práticas. Lá, o Bacharelado em Enfermagem é de cinco anos e em Portugal é de quatro.

P. Como você encontrou o emprego? Quando ele foi para Portugal já tinha?

R. Não, quando cheguei a Portugal não tinha nada. Cheguei como turista e fiquei. Procurei emprego como enfermeira depois de ter o número da Ordem dos Enfermeiros.

P. Qual diria que foi o melhor e o pior momento até agora em Portugal?

R. O melhor momento foi para obter residência e me estabelecer legalmente em Portugal, e o pior foi quando cheguei e percebi que não poderia exercer a minha profissão enquanto não cumprisse os requisitos para tal.

P. Quais são os pontos positivos de viver em Portugal? E os negativos?

R. Os pontos positivos são: as novas experiências que adquiri tanto no trabalho quanto pessoalmente. Adoro a tranquilidade com que se vive, o respeito, a educação das pessoas que não é igual a instrução, gosto da gastronomia, da organização e da ordem.

Os pontos negativos: estar longe da minha família, do meu país, da minha cultura e não conseguir o reconhecimento por todos os anos que exerço como enfermeira.

Pretendo ficar em Portugal ou Espanha se tiver oportunidade. De Cuba sinto falta da minha família, da alegria do povo, do calor humano. Dói-me não poder contribuir para a saúde e o bem-estar do meu povo que tanto precisa.

P. Você recomendaria sua experiência a outros colegas enfermeiros?

R. É sempre bom ter outras experiências, sair da zona de conforto, o que te ajuda a crescer como profissional. A troca de conhecimentos, de experiências, é muito importante. Sim, eu recomendaria se esse fosse o objetivo e não ter que sair do seu país para encontrar melhores condições de vida.

P. Finalmente, onde veremos Niurkis no futuro?

R. Onde eu possa ajudar e cuidar das pessoas, que é o que melhor sei fazer, em qualquer lugar onde eu sinta que posso ser útil, mas onde eu possa dizer o que penso sem ser censurado, onde eu não viva de aparências ou enganos em para subsistir.

REQUISITOS PARA TRABALHAR COMO ENFERMEIRO EM PORTUGAL:

  • Grau: Equivalência ao grau de enfermeiro obtido por uma Escola Superior de Enfermagem de Portugal, caso o país não pertença à União Europeia.
  • Candidatura a emprego: Inscrição na Ordem dos Enfermeiros através da plataforma eletrónica do Balcão Único. Se fores aceite, depois de analisado por uma comissão ou Juri como lhe chamam, enviam-te o Certificado Profissional, com um número que te identifica para poderes exercer e encontrar emprego.
  • Nível linguístico: Nível C1 de Português emitido pela Universidade de Letras de Lisboa.

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