Mário Centeno (Banco de Portugal): “A reação da Europa a esta crise reforçou o europeísmo” | O negócio

O Governador do Banco de Portugal, Mário Centeno, na sede da instituição, em Lisboa, no dia 10 de janeiro.JOAO HENRIQUES (JOAO HENRIQUES / O PAÍS)

Militante europeísta, Mário Centeno (Olhão, 55 anos) tem aquele dom português que lhe permite gerir cargos com a eficiência com que se gere entre várias línguas. PhD em Economia do Trabalho pela Harvard University, Presidiu ao Eurogrupo entre 2017 e 2020 e foi o ministro das finanças que obteve superávit orçamentário em 2019 para um governo socialista apoiado por comunistas e pelo Bloco de Esquerda. A imprensa internacional apelidou-o de Ronaldo das finanças. Desde julho de 2020 é governador do banco de portugal.

Perguntar. 2021 não foi como o esperado. O vírus continuou a condicionar a economia e a sociedade. O que você espera para 2022?

Resposta. Não devemos ficar tão desapontados com 2021. Embora não tenhamos conseguido proteger totalmente a economia apesar da vacinação, em Portugal atingimos níveis de emprego anteriores à pandemia e a recuperação dos setores não afetados por ela. Nas nossas previsões para Portugal em 2022, o grande dinamismo vem dos setores que ainda não conseguiram recuperar, como o turismo, serviços, restauração e hotelaria, que têm de ser apoiados até conseguirmos eliminar todos os impactos da pandemia. . Não podemos penalizá-los em nome de uma crise que não é estrutural.

Q. O turismo ajudou na crise anterior, agora ampliou o desastre. Portugal deve expandir o modelo económico?

R. eu não considero isso O turismo ter peso excessivo. Em Portugal tem havido uma forte aposta na melhoria da sua qualidade. Hoje já não é só praia, temos campo, cidades, gastronomia e cultura, é um investimento produtivo muito racional que o país não deve marginalizar, mas temos de manter a tendência de diversificação. O peso das exportações e do investimento no PIB português cresceu 7% nos últimos cinco anos, enquanto o consumo privado e público caiu dois pontos percentuais. Se continuarmos com esta tendência, estamos a fazer o que é importante para uma economia pequena, aberta e integrada na Zona Euro. A grande transformação económica e financeira de Portugal nos últimos anos tem sido a redução da dívida pública em 16 pontos percentuais do PIB, o dobro da zona euro, e a redução da dívida privada das famílias e empresas em 80 pontos percentuais do PIB. PIB de 2014 a 2019. Portugal financia-se hoje com taxas de juro mais baixas do que a Espanha, algo inimaginável há três anos.

Q. Os fundos europeus podem ajudar nessa diversificação?

R. O futuro vai depender muito do sucesso na transição climática e digital, e aí os fundos europeus são cruciais. Se nesta conjuntura compreendermos o que significa para a Europa ter fundos financiados com dívida comum, que pensávamos que nunca seriam emitidos pela Comissão Europeia, para mim É o maior momento da integração europeia depois do euro. Conseguimos aprovar o primeiro instrumento orçamental para a zona euro antes da crise, que mais tarde foi muito útil nas negociações políticas em contexto de pandemia para definir os fundos da Next Generation e ações sobre a dívida. Estes mecanismos financeiros permitem ao país enfrentar os desafios da transformação do clima, que vão condicionar o nosso futuro. O sucesso tem consequências nacionais, mas também para a Europa.

Q. Teme o regresso dos falcões à política europeia?

R. O ano de 2020 foi o primeiro momento em que as políticas monetária e orçamental na Europa atuaram de forma coordenada. E como a crise não foi estrutural, também não houve temores de moral hazard, que sempre existem na Europa, quando uns se comportam bem e outros nem tanto. Felizmente, conseguimos nos unir, ao contrário de 2008 e 2011. Isso também cria um clima diferente nas discussões no Banco Central Europeu sobre o reconhecimento da Europa como um todo. Em 2021 demos um papel relevante à questão climática e ao financiamento verde na estratégia de política monetária. O BCE não pode ficar ausente deste debate. É previsível que os combustíveis fósseis tenham um aumento de preços que posteriormente se estabilize, mas também que estas energias sejam substituídas por novas tecnologias que promovam um efeito contrário na estrutura de preços. O BCE tem de saber ler estas transições e manter uma atitude um pouco belicista e hawkish face às necessidades da economia europeia.

Q. Você não deveria aumentar as taxas com essa inflação? Quanto tempo pode ser considerado temporário?

R.. O BCE deve ser menos autolimitado em suas ações do que algumas leituras simples podem sugerir. Definimos uma meta de inflação de 2%, o que permite superá-la enquanto o horizonte de dois anos estiver em 2%. É a situação atual. Esse aumento pode não ser tão temporário, nem a crise, o que torna difícil definir o que é temporário se medirmos em trimestres ou anuidades. Mas, do ponto de vista da política monetária, isso se resolve porque tem um horizonte marcado. Se a inflação em dois anos estiver abaixo de 2%, não temos que reagir antecipadamente a esse aumento. Isto não quer dizer que não queiramos uma normalização da política monetária, para garantir que estão criadas as condições para que os programas de compra de activos possam reduzir os seus estímulos e que numa fase seguinte se verifiquem subidas das taxas de juro. Taxas próximas de zero não são confortáveis ​​nem para a política monetária nem para o funcionamento da economia, desde que garantamos a estabilidade financeira.

Q. Está mais preocupado com o projeto europeu pela instabilidade política de alguns países com forças anti-sistema do que por perturbações econômicas?

R. É uma pergunta que os europeístas têm feito há anos. Em 2016 nos perguntaram sobre o avanço dos partidos populistas na França e na Holanda, onde finalmente venceram as opções europeístas e voltou a ser assim na Itália.

Q. Tivemos o Brexit.

R. O Brexit reforçou a noção da importância de trabalharmos juntos para os 27 que ficaram. A comunhão de interesses se fortaleceu e tem vencido, eleição após eleição, em todos os países. Um exemplo é o novo Parlamento da Alemanha. A forma como a Europa reagiu a esta crise reforçou o nosso europeísmo. No Eurobarômetro, pela primeira vez em uma crise, o euro não perdeu popularidade, mais de 75% dos europeus o consideram positivo. Durante a crise soberana, foi inferior a 60%. Tem a ver com o facto de as instituições europeias estarem à altura dos desafios, ao contrário de outros tempos.

Q. O setor financeiro português vem de uma reestruturação drástica. Você não está mais perdendo o sono? Perdeu a soberania financeira?

R. Com o euro, o sistema financeiro foi uma das áreas que mais se integrou na Europa, de forma que se perdeu a noção de risco. As empresas passaram a ter acesso ao crédito com taxas de juros menores e o sistema financeiro não soube lidar bem com o acúmulo de riscos. Hoje o sistema está mais capitalizado e com menor nível de risco. Neste momento a taxa de Empréstimos não pagos (NPL, non-performing lending) está próximo de 4%. Isso significa que o sistema está mais robusto, mas é um processo que devemos cuidar. Poderá ainda haver alguma consolidação do sistema bancário em Portugal. É claro que num sistema financeiro altamente integrado e com supervisão única do BCE temos de estar atentos ao financiamento da nossa economia e se há perda de soberania é outra dimensão das muitas deste equilíbrio. Durante a pandemia, ficou demonstrado que conseguimos manter níveis adequados de financiamento da economia. A presença de um banco público grande e bem capitalizado [Caixa Geral de Depósitos] é uma âncora que não existia no passado. A integração europeia trouxe instituições, por exemplo as espanholas, que têm uma presença significativa e que se integram neste objetivo de financiamento da economia.

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Raven Carlson

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