Em 2017, pouco depois Emmanuel Macron ganhou as eleições presidenciais francesas, a crise do coletes amarelos. Foi realizada por trabalhadores, principalmente das áreas desindustrializadas do país, que protestaram contra a aumento dos preços dos combustíveis. Isso foi mais longe e chegou a bloquear o país. O movimento contra reforma da previdência de Macron, que aumenta a idade de aposentadoria e foi promulgada em meados de abril, também deixou quatro meses de protestos e imagens chocantes, com as ruas do centro de Paris repletas de carros queimados e mobiliário urbano vandalizado. O que provocou raiva nacional e caos na semana passada foi o a morte de nahelum garoto de 17 anos, baleado por um agente em um posto policial em um dos bairros de Paris.
São três crises, a mais grave que o país vive em décadas e todas desde que Macron chegou ao poder. Quase toda a França está representada nesta raiva: aqueles que lideram a revolta naqueles bairros carentes do banlieu são juventude e minorias; no coletes amarelosclasses populares das províncias, especialmente França desindustrializada; no protesto contra a reforma da previdência: trabalhadoresorganizações sindicais e algumas grupos politizados.
Embora tenham uma sociologia diferente e sejam liderados por grupos diferentes, esses movimentos de protesto têm duas coisas em comum: a raiva reprimida e a forma de expressá-lo: queimar, atear fogo e destruir. O normalização da violência na França nos últimos anos tem chamado a atenção e preocupado o Governo. “Embora a sociologia desses movimentos seja diferente, eles estão ligados: existe a origem da raiva, que é o sentimento de injustiça, e a resposta a isso, a forma de expressar essa raiva, que é destruir, queimar… “, explica a este jornal Sebastião RochePesquisador da Sciences Po na Universidade de Grenoble.
Segundo sua análise, no caso da crise do coletes amarelos, que surgiu como um protesto contra o aumento dos preços dos combustíveis, “emanava um sentimento de injustiça por ter que pagar o preço da transição climática”. No caso de quem se rebelou há alguns meses contra a reforma previdenciária de Macron, foi a injustiça de um sistema que os obriga a trabalhar mais e contribuir mais anos e “que Prejudica os trabalhadores mais precários“. No caso da morte de Nahel, há pouco mais de uma semana, é a impotência pela forma como o menino perde a vida: ao ser baleado por um policial.
Nos dois primeiros casos, aliás, a raiva aumenta porque a população se sente desconsiderada. o analista Françoise Fressozem uma coluna intitulada o enigma francês publicado nas páginas do jornal o mundofaz um diagnóstico semelhante ao considerar que “esses eventos destacam a dificuldades estruturais que o país enfrenta“: “A dificuldade de implementar a transição ecológica” (coletes amarelos), o financiamento do modelo social (reforma previdenciária) e “a crise da integração”, na crise recente.
A professora Molly O’Brien CastroUm especialista em violência urbana da Universidade de Tours, na França, analisa que essa violência que se repete em todos os movimentos de protesto, principalmente nos últimos dias, tem um padrão que se repete “independente do momento”: há o “mesmo reclamação, mesmo gatilho, o desejo de rebelião de uma população minoritária ou que se sente excluída” e “a mesma reação”, que é através dessa violência, em maior ou menor grau.
“Como ponto comum nessas três crises, temos a tensão na panela de pressão que vazou e tem produzido efeitos, com uma aguda consciência da injustiça social e descontentamento com a inação do governo nesta questão, percebida como complacência”, diz Beatrice Turpinpesquisador da Universidade de Cergy Pontoise.
Se a revolução e o protesto fazem parte do DNA da França (desde a Revolução Francesa de 1789, passando pela de maio de 68 ou, mais atual, pela do coletes amarelos), nas últimas mobilizações, a violência tornou-se cada vez mais virulenta. Isso foi visto sobretudo após ameaças e ataques diretos a prefeitos e eleitos. No domingo passado, vários indivíduos dirigiram um carro contra o prefeito de uma cidade nos arredores de Paris. Dias antes, em uma das marchas contra a morte de Nahel, o porão de um prédio cujos andares superiores eram habitados foi incendiado.
O tom e o grau desses atos são motivo de preocupação. Isso é o que Macron chamou recentemente de processo de “descivilização” dos franceses. Os últimos protestos também aumentaram “o pilhagemque é algo mais novo”, explica O’Brien.
Nas ondas de violência “há um efeito de grupo: você não participa se vai exercer sozinho, é o sentimento de pertencimento ao grupo que leva à ação”, diz o analista. “Alguns não reivindicam nada: é o façanhae isso é causado pelo movimento de massas: nós somos o que os outros fazem”. O saque é comparável a um ato político, mas sem mensagem“, Explicar.
Relacionamento com a polícia
A resposta policial, em todos os casos, “agrava o conflito” e a resposta violenta, já que “há um choque entre as forças da ordem e os grupos de protesto”, diz Sebastian Roché, que publicou um livro em espanhol intitulado polícia na democracia. Segundo a denúncia, não há nenhum outro país na Europa onde haja mais tiros da polícia em situações semelhantes ao da morte de Nahel, como controladores de trânsito. Segundo Roché, em Espanha estes valores são seis vezes inferiores aos de França, o mesmo “acontece noutras democracias mais jovens, como Portugal ou a Grécia”.
“É impressionante que em uma democracia mais madura, como é o caso da francesa, que tivemos mais anos para fortalecê-la, haja esse uso excessivo de tiro pela polícia” em situações que teoricamente não são arriscadas. “Há uma espécie de raiva. Entramos em um conflito em que se misturou essa raiva contra a polícia, o já mencionado sentimento de injustiça e os grupos criminosos que se aproveitaram disso para destruir e roubar, para cometer crimes”, afirma o especialista.
A resposta, tanto em coletes amarelos como na reforma da Previdência e nesta última crise, “tem sido a repressão policial”. que eles tenham sido removidos unidades antiterror “usar força letal para impedir ataques” é bastante significativo, diz Roché.
combiná-lo Graça Favreladvogada de direitos humanos e especialista em casos de violência policial: “Se pegarmos as informações objetivas de organizações externas, estrangeiras à França, muitos concordam em criticar o racismo policial e policial“, explica o especialista, que lembra que, em um contexto suspeito, os franceses de origem norte-africana são mais controlados que os brancos. “Isso agrava a violência, é um círculo vicioso que faz com que a relação se deteriore: os cidadãos não confiam na aplicação da lei e vice-versa“diz o especialista, que acredita que a solução é criar uma polícia comunitária, principalmente nesses bairros, que estabelece uma relação de maior intermediação.
“Foi deletado polícia comunitária, com a policial educativa que acompanhava o jovem nas atividades do bairro e isso sem dúvida é um erro grave. A polícia é percebida como repressiva e com ela o próprio Estado”, diz Beatrice Turpin.
A polícia defendeu-se e explicou nestes dias que os jovens que participam nos motins “são muito mais violento“. “Estamos encontrando perfis que não pensávamos”, diz Rudy Mannado sindicato da Polícia de Aliança.
As redes sociais ajudam a banalizar a violência. Nessa onda de tumultos, também durante o protesto contra a reforma da Previdência, eles possibilitaram saber “onde estavam os pontos de interesse nas mobilizações, permite uma logística que não é possível ter de outra forma”, diz O especialista.
fragmentação política
O acúmulo de crises contribuiu para o tédio geral, assim como para a fragmentação política. As últimas eleições presidenciais e legislativas, realizadas há pouco mais de um ano, revelaram a polarização do país: dividido entre o macronistas (os eleitores do partido de Macron), o lepenistas (eleitores do partido de extrema-direita Marine Le Pen) e a melenconistas (a esquerda radical do líder de La Francia Insumisa).
O restante dos partidos gira em torno desses pólos, especialmente os tradicionais: o Partido Socialista e o conservador Los Republicanos. Ele explica isso em sua coluna no o mundo Fressoz: “A banalização da violência como modo de afirmação alimenta uma dinâmica de divisão que só é difícil de neutralizar.”
“Houve um desmobilização nas últimas eleições o que testemunha uma perda de confiança na política e na ação política. Para alguns, a solução está na ação violenta”, analisa a pesquisadora Beatrice Turpin.
O’Brien acredita que “estamos em uma era pós-política” em que os jovens que participam destes motins «não se definem como de direita ou de esquerda, mas, no entanto, têm uma cultura do consumismo: o facto do saque é o que os une: o desejo de ter e de possuir”, como demonstra o facto de muitas das lojas saqueadas hoje em dia terem sido Nike ou Apple. “Naquela violência que estas gerações exprimem, a mensagem Hoje vai além do político”.
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