“Tem muita gente má no futebol” 0 Descrição



Arnau Segura

10/11/2023 às 12h12

CET


Douala, cidade dos Camarões, sua terra natal, está distante em quilômetros e anos, mas não a ponto de esquecê-la.“Sabíamos que horas havia menos carros passando e iríamos cortar a estrada e começar a brincar ali. Quando víamos que o prefeito ia passar, nos escondíamos e deixávamos ele passar porque se ele pegasse a bola, ele iria perfurá-lo.”, diz Fabrice Olinga (1996), ex-criança prodígio, da Roménia com um telefone com prefixo português. Ele foi o jogador mais jovem da história da Primera até que Lamine Yamal também explodiu seu recorde. Ele era o mais novo de nove irmãos. “O Barça era como a seleção nacional”mas qualifica: “Eu não era do Barça, mas sim de Eto’o”. Ele usa o ’45’: quatro mais cinco é ‘9’, o número de Eto’o. Embora nunca tenha tido a camisa: preferiu escrever a sua história.



Nos Camarões foi recrutado pela Fundação Samuel Eto’o e pouco depois assinou pelo Mallorca em 2009. Torceu o tornozelo no jogo-teste, mas a primeira meia hora foi suficiente para mudar a sua vida para sempre. Ele tinha 12 anos. Ele se lembra bem da primeira vez na Espanha: “Quando você está acostumado a ver africanos e chega a um lugar onde só vê europeus, você fica maravilhado. Tudo é diferente, estranho, mas para mim não foi problema porque nunca tive tempo de pensar. Não penso em nada. Tudo passou tão rápido que não consegui “me deu tempo para pensar”. Ele continua, voltando aos dois anos que passou como pré-adolescente nas Ilhas Baleares: “Eles foram os melhores da minha vida. Tive a melhor família anfitriã e foi ótimo”.



Em 2011 recebeu interesse de Liverpool e Madrid, mas não se concretizou e foi parar no Málaga. “A única coisa que me preocupava era jogar.”. Claro: ela tinha 15 anos. Um ano depois, em 18 de agosto de 2012, estreou na Primeira Divisão e marcou o gol da vitória em Balaídos. Ele ainda não tinha barba: tinha 16 anos e 98 dias e superou Iker Muniain como o mais jovem artilheiro do Primera. “Eu estava no lugar certo na hora certa”, ele enfatiza, encolhendo-se. Ele minimiza, como se estivesse zangado com aquele objetivo por tê-lo seguido por tantos anos.

Como você descobriu que havia alcançado o recorde?

Eu não sabia de nada. Quando o jogo acabou fiquei feliz pela vitória, pelo gol. Voltamos para Málaga e no dia seguinte meus colegas vieram correndo para meu dormitório: ‘Fabrice, vista Deportes Cuatro! Você está na TV! Liguei a TV e surtei.



Lamine roubou-o durante onze dias. Ela sentiu tristeza?

Não. Os registros estão aí para que alguém chegue e faça melhor. Se ele não tivesse marcado o gol, ninguém teria falado de mim. Estou feliz por ele. Ele tem tudo para ter uma carreira melhor. Não senti dor, raiva ou tristeza em nenhum momento. Cada um tem um momento. E foram dez anos para mim.

O que você diria se estivesse sentado na sua frente?

Eu tive que viver a vida sozinho. Ele tem seu ambiente, seu pessoal que vai ajudá-lo. Ele só precisa continuar fazendo as coisas como antes, permanecer o mesmo e curtir o futebol sem pensar em recordes. Os registros não são nada: números, algo que permanece na história. São apenas registros. Não é o que nos move. Quando Messi começou a jogar não buscava recordes, mas sim paixão. Agora os registros o seguem.

Aos 16 anos também estreou na Liga dos Campeões e pela seleção camaronesa, com um gol da vitória aos 90 minutos após passe de Eto’o. Tudo foi perfeito.

Eto’o tinha o recorde de estreia e gol mais jovem de Camarões e eu entrei e tirei dele [ríe]. Mas eu fico com os momentos. Ninguém pode tirar minhas memórias de mim. Registros sim, mas memórias não. Lembro-me desses momentos, tão lindos. Fui atrás dos meus sonhos e consegui o que queria. Depois tudo piorou. Isso é futebol.

Nunca mais marcou pelo Málaga e em novembro de 2011, aos 17 anos e meio, disputou o seu décimo e último jogo na Liga, a última bala.

Acabou muito rapidamente. Demais. A estrada ficou muito complicada [Chipre, Bélgica, Italia, Rumanía, Bélgica, Portugal y Rumanía]. O futebol me deu lembranças muito, muito, muito ruins. Hoje você não pode ser criança no mundo do futebol: você tem que entender que até os 10 anos você joga por paixão e a partir daí alguma coisa muda e você tem que pensar, ser inteligente. As coisas têm que ser ditas como são: há muita gente má no futebol. Não todos, mas acho que 70% das pessoas do futebol são ruins. Não é uma sensação, mas uma realidade. Se pensar bem, tenho muito mais lembranças ruins do que boas do futebol. É por isso que não gosto de pensar. Às vezes não queremos ouvir a verdade, mas estou certo. Não gosto de falar, mas percebo que é importante contar a minha história para que as pessoas conheçam o lado negro do futebol. Muitas vezes perdi a vontade de brincar porque é um mundo em que as coisas acontecem sem você entender o porquê, sem ter uma palavra a dizer. Eles enganam você hoje e enganam você amanhã. Você acha que alguém não vai te enganar e ele te engana mais do que o outro.

Se gera tanta dor, por que continuar?

Pela alegria que isso me dá. Jogo porque gosto, para viver histórias, não para ganhar dinheiro. Se vim para a Roménia não foi por dinheiro, porque aqui não se ganha nada. Vivo para isso: continua a me fazer feliz. Quando terminar quero poder contar muitas histórias para meus filhos.

Cedric Schmidt

"Amante de café irritantemente humilde. Especialista em comida. Encrenqueiro apaixonado. Especialista em álcool do mal."

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *