Portugal vota no domingo com conta de corrupção pendente

Portugal vai às urnas no próximo domingo em eleições das quais deverá emergir um novo Governo que substitua o do socialista António Costa sem que o caso em que o primeiro-ministro se demitiu em Novembro por alegadas irregularidades ainda não tenha sido resolvido ou esclarecido.

Em 7 de novembro de 2023, o Ministério Público do país anunciou que abriu investigação contra o chefe do Executivo devido a suspeitas contra ele de que estaria envolvido em supostas irregularidades nos negócios de lítio, hidrogênio e data centers.

Costa demitiu-se nesse mesmo dia, o que precipitou a queda do Governo e a convocação de eleições, mas até hoje o Ministério Público ainda não deu explicações nem apresentou provas nem o acusou.

Para o professor de Criminologia da Universidade do Porto Rita Fariaas notícias dos últimos meses sobre este assunto e o caso que tem afectado o Governo autónomo da Madeira, cujo presidente, Miguel Albuquerquedo conservador Partido Social Democrata (PSD), renunciou por suposta corrupção, mostram que “justiça é não conseguir lidar” com esses tipos de problemas.

Nesse sentido, explicou à EFE que os crimes de corrupção em grande escala são “muito difíceis de investigar e é isso que está a acontecer neste momento”.

“Em Portugal há uma vontade de tornar visíveis áreas de atuação e formas de atuação que antes não eram visíveis e acredito que ainda não estamos preparados para ter uma justiça eficaz”, lamentou o especialista, que considerou que o sistema judicial teria de ser repensado, tomando sempre como base o “conhecimento científico” e não a ideologia do momento.

E, alertou, o combate à corrupção ou a outros tipos de crimes económicos pode ser usado como bandeira política em discursos extremistas.

Prova disso é que o partido português de extrema-direita Chega Baseou a sua campanha na luta contra os corruptos e, de facto, o seu lema eleitoral é “limpar Portugal”.

Para além dos radicais, a verdade é que a questão da corrupção tem sido protagonista dos debates eleitorais e os diferentes partidos têm incluído nos seus programas propostas para acabar com este flagelo: desde o reforço de recursos para mecanismos anticorrupção já existentes, como como o Partido Socialista sugere classificar o enriquecimento ilícito como crime, tal como o PSD e o Chega colocaram em cima da mesa.

Na opinião do presidente do Observatório de Economia e Gestão de Fraudes (OBEGEF), o sociólogo António João Maia, Essas propostas são úteis “mas há muito mais coisas a fazer”.

“Por exemplo, a questão dos ‘lobbies’ (grupos de interesse) deveria ser regulamentada um pouco, as agendas dos titulares de cargos políticos deveriam ser divulgadas, sabendo-se que reuniões têm e que conteúdos são discutidos…”, enumerou Maia, que é também membro do Conselho de Prevenção da Corrupção e investigador da Polícia Judiciária.

Paralelamente, destacou que também é importante investir em meios anticorrupção não só do ponto de vista financeiro, mas também na capacitação técnica das pessoas que trabalham no combate a este fenómeno nos órgãos de controlo, na polícia, no tribunais e Ministério Público, entre outros.

Estas pessoas “devem ter formação do ponto de vista da integridade e formação técnica para trabalhar com conhecimento de tecnologias”, refletiu Maia, que destacou que os políticos deveriam especificar melhor as suas propostas.

O professor universitário de filosofia Regina Lusófona Queiroz vê que “na sociedade portuguesa existem práticas de corrupção endémicas” que não estão apenas associadas à política e ao Governo, mas também à estrutura social.

“As pessoas dedicam um tempo imenso nas suas atividades diárias e no estabelecimento de relações sociais para obter benefícios em relação ao Estado, em relação às empresas, de tal forma que podemos dizer que há muitas práticas de nepotismo, há muitas partidos que praticam o favoritismo”, afirmou em declarações à EFE.

Queiroz ressaltou que é “um problema multidimensional” com uma faceta jurídica e política, mas que recai também sobre os cidadãos “que têm deveres e direitos, mas que têm sido muito complacentes” com este flagelo, razão pela qual seria necessária uma mudança de mentalidade.

Calvin Clayton

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