O Ministro das Finanças português, Mário Centeno, é chamado de “o Cristiano Ronaldo” da burocracia económica europeia.
E não é por menos. A milagrosa recuperação económica de Portugal nos últimos dois anos é um exemplo disso tão estranho quanto esperançoso.
Observadores de todo o mundo estão a acompanhar de perto a forma como este país chegou à beira da catástrofe económica e recuperou. Principalmente, repare que ele fez isso com uma receita de rejeição da austeridadeo que põe em causa muitos dos dogmas económicos tradicionais.
Hoje Portugal é liderado por um governo minoritário socialista, que sobrevive numa coligação parlamentar com a extrema esquerda, incluindo os comunistas.
O resultado foi uma política económica que rejeitou a austeridade, mas ainda assim ganhou os aplausos do Fundo Monetário Internacional.
Louvável
Ainda no passado dia 30 de Junho, o Fundo Monetário Internacional (FMI) garantiu a Portugal que tinha feito “progressos louváveis na abordagem dos riscos de curto prazo” que pairavam sobre a economia.
E progresso louvável é uma boa maneira de descrevê-lo.
Em 2011, Portugal foi à beira da ruína. Teve de pedir um resgate de 78 mil milhões de euros (91 mil milhões de dólares à taxa de câmbio actual) à “troika” do FMI, da Comissão Europeia e do Banco Central Europeu.
Tal como aconteceu com a Grécia, a “troika” impôs duras condições de austeridade fiscal, que um governo conservador em Portugal tentou impor.
Milhares de funcionários foram demitidos. Os salários foram cortados. Até mesmo muitos feriados foram cancelados por um governo que tentava evitar a falência nacional.
O desemprego atingiu uns calamitosos 16% em 2013.
governo incomum
Nesse contexto, as eleições de 2015 pareciam pressagiar mais problemas para Portugal.
O eleitorado rejeitou a austeridade e colocar no poder uma coligação de socialistas com comunistas e outros partidos de extrema-esquerda.
“Foi uma novidade política em Portugal”, disse André Freire, académico do Centro de Investigação e Estudos Sociológicos do Instituto Universitário de Lisboa, à BBC Mundo.
“As políticas implementadas pelo governo de António Costa foram contra a receita tradicional. Os cortes salariais do governo anterior foram revertidos. Não é que os salários tenham aumentado. Eles simplesmente se recuperaram dos cortes sofridos durante a era da troika”, lembra Freire à BBC Mundo.
Também foi restaurado um jornada de trabalho de 35 horas semanalmente para funcionários públicos, o pensões e aumentou o salário mínimo.
A novidade é que esses programas sociais foram feitos “de forma fiscalmente responsável“Freire disse à BBC Mundo.
Foram combinados com outros cortes nas despesas públicas que permitiram a Portugal manter as metas de redução do défice.
Bonança
Em 2017, o governo Costa tem motivos de sobra para comemorar.
Crescimento anual próximo de 3% e, pela primeira vez em uma década, o desemprego caiumenos do que 10%. As exportações e as receitas do turismo aumentaram dramaticamente.
Talvez o elogio mais inesperado tenha vindo do intransigente ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schauble, o guardião mais ortodoxo da austeridade na Europa, que teve de dar crédito aos portugueses, chamando Mário Centeno de “Cristiano Ronaldo do euInstitutos Financeiros Europeus“.
Replicável até certo ponto
As duas questões óbvias que muitos colocam sobre o milagre económico português são: irá durar muito mais tempo? E ainda: pode ser replicado em outros países?
A resposta não é clara em nenhum dos casos.
Quanto à sua sustentabilidade, muitos se perguntam quanto tempo durará esta harmonia inesperada entre um governo de tecnocratas e a coligação parlamentar de ultra-esquerdistas que os mantém no poder, o que levou a este governo de esquerda “responsável”, como o define Freire. .
“Em quarenta anos de vida democrática em Portugal, é a primeira vez que tal aliança entre a esquerda moderada e a esquerda radical funciona para formar um governo nacional, que surgiu como uma reacção às medidas de austeridade extremas que a direita queria impor. impor”, alerta ele à BBC Mundo.
A dívida nacional continua muito elevada: chega a 130% do Produto Interno Bruto.
“As tendências recentes são boas. Mas os problemas existem, sem dúvida”, reconhece o especialista.
E a receita funcionaria em outro lugar? A rejeição bem sucedida da austeridade em Portugal contrasta especialmente com a experiência brutal que a Grécia continua a ter nesse sentido. Deveriam seguir o modelo português?
André Freire é cauteloso ao traçar esses paralelos. “Para começar, a situação grega era mais grave do que a portuguesa. O défice fiscal era muito maior. Os gregos também vinham trapaceando na contabilidade há muito tempo. Havia um problema de confiança”, disse ele à BBC Mundo.
a comemorar
Contudo, dirão outros, a experiência portuguesa é um sinal de que a austeridade a qualquer custo não é a única forma válida de sair das crises fiscais.
E quando o próprio FMI está aplaudindo oos resultados doEstratégia portuguesa de melhorar as condições salariais das pessoas para fazer arrancar o crescimento e assim reduzir o défice fiscal, parece evidente que o dogma está a mudar.
Os portugueses sempre disseram que o sentimento que os define como nação é o da melancolia, a chamada “saudade” que os enche de tristeza por algo que perderam. Talvez não estejam muito habituados às celebrações nacionais.
Mas o que sentem hoje assemelha-se mais a uma euforia que poucos teriam previsto há apenas alguns anos, mas que agora faz deles talvez o sinal mais promissor de uma recuperação económica europeia.
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