Miguel Conceição |
Lisboa (EFE)
Criado em 2014, o cartão branco tem sido uma constante nas categorias de base do desporto português, mas em 2023 adquiriu uma nova dimensão ao ser exibido pela primeira vez num grande jogo de futebol.
Em Janeiro passado, no dérbi feminino entre Benfica e Sporting de Portugal, uma adepta sentiu-se mal nas bancadas e as equipas médicas das duas grandes lisboetas deixaram de lado a histórica rivalidade e uniram forças para o ajudar.
O exemplo de desportivismo foi recompensado pela árbitra Catarina Campos, que deu o branco às casas de banho dos dois clubes, gesto que rapidamente se tornou viral.
É essencialmente “um cartão educativo, que visa valorizar o gesto positivo no jogo”, explica à EFE José Lima, coordenador do Plano Nacional de Ética no Desporto (PNED) de Portugal.
Atualmente, “muitas vezes o que se fala é do negativo, da dimensão mais punitiva do encarnado e do amarelo, e das intrigas que existem no jogo”, para o que o cartão branco tenta contrariar “premiando o positivo”, afirma.
Inovação portuguesa com origem em Espanha
Este projeto pioneiro remonta a 2013 e tem origem em Espanha, concretamente na Taça Coca-Cola, competição de futebol de categoria inferior que aplicava o cartão branco nos seus jogos.
Ao mudar o torneio para Portugal, contactou o PNED para uma colaboração.
Por sua vez, a entidade, ligada ao Instituto Português do Desporto e Juventude, estatal, decidiu atribuir ao cartão “regulamentos de várias modalidades” e não apenas do futebol, e envolveu várias entidades e federações, recorda Lima.
O projeto-piloto teve início na época 2014/2015, apenas ao nível da formação, e com sete entidades filiadas.
O coordenador do PNED refere que desde aquela campanha “tem sido como uma bola de neve” e conta atualmente com 78 entidades, como autarquias, clubes e até a Federação Portuguesa de Futebol (FPF), que a aplica em todas as suas competições com exceção da Taça de Portugal masculina.
Um cartão para todos
Ninguém está imune ao cartão branco. Pode ser apresentado a jogadores, treinadores, individual e coletivamente ou mesmo ao público.
Foi o que aconteceu no passado mês de fevereiro, quando uma enfermeira que assistia a um jogo de futsal recebeu o cartão após entrar em campo para tratar um jogador lesionado.
E pode ser mostrado até para quem recebe cartão vermelho, como aconteceu recentemente em um jogo da terceira divisão, quando um jogador expulso pelo árbitro reconheceu que a decisão havia sido correta, posição que lhe rendeu outro cartão, mas desta vez O branco.
Casos como este surgem diariamente na imprensa regional e nacional portuguesa, algo que o projeto pretendia.
“Fala-se muito pouco sobre a dimensão positiva do esporte. Este cartão valoriza esse aspecto e o trouxe para o debate público”, disse Lima à EFE.
Os seus efeitos também foram analisados em profundidade através de um estudo que, segundo o coordenador, demonstrou que desde a sua aplicação “reduzem-se as incidências disciplinares”.
Até os árbitros, muitas vezes vilipendiados, têm beneficiado do cartão branco, já que “é também uma forma de apresentar o árbitro como educador, como alguém que não só sanciona ou castiga”.
Este projeto, que é complementado por uma cerimónia anual de entrega de prémios, tem despertado o interesse de entidades nos Estados Unidos e mesmo de organizações como a Federação Europeia de Andebol, que já iniciou contactos.
Sua aplicação no futebol masculino profissional é um dos grandes anseios, embora Lima admita que é algo “complicado” diante das rígidas regulamentações de instituições como a FIFA e o International Football Association Board (IFAB), que regem as regras do jogo.
Ele acredita que isso acontecerá “mais cedo ou mais tarde”, já que “essa carta vai prevalecer e se afirmar”, defende.
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