Por um momento, Portugal apareceu-nos como um lugar modelo, uma arcádia política que, na comparação ibérica, adquiriu um brilho inesperado. O primeiro-ministro, António Costa, demitiu-se poucas horas depois de se saber que estava a ser investigado pela Justiça.
Nada a ver com as crises arraigadas deste lado da fronteira, onde o poder é muitas vezes sustentado pela resistência que triunfa face à modéstia.
As palavras de Costa ressoaram como as de um cônsul vestido entre os mármores da antiguidade ou como as tiradas de ‘Sostiene Pereira’ de Antonio Tabucchi: “Entendo que dignidade não é compatível com suspeita”. É claro que toda a nossa idealização foi baseada na distância e na ignorância. Mesmo sem a concordância das forças pró-independência, tensões e misérias também surgem no vizinho Portugal. Mas ninguém poderia negar uma certa epopeia na decisão do chefe do Governo.
Demorou apenas um momento até que a política recuperasse o seu amor natural pela farsa e se soubesse que o primeiro-ministro tinha-se confundido nas transcrições da investigação judicial com o ministro, coincidentemente com o mesmo nome, da Economia e do Maruma combinação extravagante cuja explicação deve ser bem portuguesa.
As últimas notícias garantem que, segundo os critérios do juiz, o alegado caso de corrupção política mal se sustenta. É curioso que o resultado deste episódio que deriva perigosamente para o grotesco seja o reforço da imagem espelhada sempre latente que liga Espanha e Portugal há séculos. A prova é irrefutável: enquanto Pedro Sánchez proclama aqui fazer da necessidade uma virtude, António Costa teria feito da virtude algo completamente desnecessário. E isto no país que tem um Palácio das Necessidades, sem outras virtudes conhecidas além das artísticas e sendo hoje sede do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Séculos atrás, a embaixada espanhola estava lá.
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