José Luís Peixoto: “O Saramago era velho pelas minhas tatuagens e piercings e coisas que eram de outro mundo”

NUNO BOTELHO

Nascido em Galveias, em Ponte de Sor, no Alentejo, em 1974, chegava atrasado e mimava os filhos mais velhos como se “encontrasse um bebé”. O seu pai era emigrante em França e quando regressou a Portugal, em 1972, realizou o seu sonho e abriu a sua própria carpintaria. Ele estava no escritório onde passou grande parte de sua infância. “Qualquer pedaço de madeira que sobrar pode ser uma casinha, um carrinho, uma espada. “Todo mundo ali era uma brincadeira e um mundo de possibilidades.”

Agora tem rebanho e a família morava na queijaria. O pai de ella queria mais, “não queria seguir o mesmo caminho”, e se aventurou como “aprendiz de carpinteiro”. Fui como um pai que aprendeu a importância do espírito independente e seu pai, falecido aos 57 anos, que prestou homenagem ao seu primeiro trabalho, Morreste-me.

Morei em Galveias em 1991, quando fui estudar para Lisboa. Como Galveias “era o mundo”, uma aldeia que “pensava no futuro”. Aqui não é assim. O terreno onde cresce não é o mesmo e “há desânimo”. “Essas pessoas não conseguem imaginar continuar a vida lá.”

Trabalho como empregada doméstica na França. Quando regressei ao Alentejo não vivia mal, mas não vivia “à vontade”. O país quer sempre que os nossos filhos estudem e, com “esforço”, conseguiremos que os três obtenham o diploma de bacharel.

O sabor das letras era “natural” e era de família. Depois dela, treze anos mais velha, tornou-se professora. Lê sempre “por prazer” e forma as Bibliotecas Itinerantes da Fundação Calouste Gulbenkian que aproximam dois livros.

NUNO BOTELHO

Num ambiente de “países políticos exacerbados”, onde os comunistas usam frequentemente os “donos da terra e de tudo”, o pai esteve sempre mais inclinado para o socialismo moderado de Mário Soares. Alias, e apesar de não se lembrar do momento, a família ainda conta como, na infância, foi ao lado de Mário Soares.

Mergulhei sempre nas “culturas mais rebeldes” da sua geração. Ele gostava de música pesada e de tudo que fosse diferente do mundo ao seu redor. Aos 17 anos, “sonhava com um socialismo ideal”, assumia que era anarquista e as roupas que vestia eram uma manifestação sua. Na década de 1990, uma década que ele considera “enganosamente dourada”, ele se manifestou contra o McDonald’s.

NUNO BOTELHO

No final da década de 90 cruzou-se com o Prémio Nobel da Literatura português, José Saramago. Todos os dias ela se lembra dos momentos que viveu com ele. “Éramos de gerações diferentes. O que nos aproximou foi escrito no Alentejo. “Já que tatuagens, piercings e música pesada eram algo de outro mundo para ele.”

“Agora, aos 49 anos, sinto que o lugar onde estou, politicamente, é só meu”, confessa. Ela não se considera filiada a nenhum partido, mas reconhece que dificilmente votaria diretamente. “Ainda que isso não significa que não concorde com algumas ideias de direita”, salvaguarda.

NUNO BOTELHO

A política nunca desaparece do seu trabalho. Tem dificuldade em resistir às “propostas fora da caixa” e tem fascínio por regimes autocráticos. Visitou cinco vezes a Coreia do Norte e escreveu um livro sobre o interior de uma das ditaduras mais repressivas do mundo. “Quando você está com uma claustrofobia gigante.”

José Luís Peixoto, um dos mais destacados autores da literatura portuguesa, é o mais recente convidado do podcast “Geração 70”. Numa conversa com Bernardo Ferrão, fala do interior abandonado, da sua fase anarquista, do lado mais solitário e “individualista”, e do gosto pela “música pesada”, que recorre a um escritor diferente. “Sou um homem que fez um caminho eclético e fora de todas as caixas.” Ouça aqui para uma entrevista

Calvin Clayton

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