“Abolir a mudança de horário seria o melhor para a saúde”

Para a cientista María Ángeles Bonmatí, que investiga os efeitos dos ritmos circadianos e do sono em nossa saúde, mudanças como as desta manhã só têm efeitos negativos em nosso corpo

Graduado em Biologia e Doutor em Fisiologia, Maria Angeles Bonmati em seu sobrenome (“bom dia” em espanhol) uma alusão implícita à sua principal linha de pesquisa: a ritmos circadianos e sono. Este pesquisador do Laboratório de Cronobiologia da Universidade de Múrcia, CIBERES e do Instituto Múrciano de Pesquisa Biossanitária passou anos estudando o funcionamento de nossos relógios internos e o papel que desempenham em durma bem Ele cumpre um número infinito de processos fisiológicos. Apenas publicado Que nada tire o sono (Crítica), uma obra para explicar porque, longe de ser uma perda de tempo, o sono é essencial para a nossa saúde.

“Vou dormir quando morrer” e outras frases semelhantes são muito comuns. Por que damos tão pouca importância ao sono?
Tem havido uma tendência a pensar que o sono é um processo durante o qual estamos perdendo tempo. Enquanto dormimos não consumimos nem produzimos e isso, no mundo em que vivemos, pode parecer uma perda de tempo. No entanto, não é. Dormir não só não é perda de tempo, como é essencial para poder viver e também para poder realizar. O sono insuficiente está associado a muitos problemas de saúde porque muitos processos fisiológicos ocorrem enquanto dormimos que não ocorrem durante a vigília e são necessários para a saúde e a vida. Mas também é que dormir mal também está associado a menor produtividade. Em alguns contextos, a mensagem econômica é a mais difundida, por isso é importante lembrar que uma população que dorme pouco inevitavelmente produzirá menos. Pouco sono tem um custo.
O que acontece em nosso corpo durante o sono?
Dormir é semelhante a colocar o cérebro no modo avião porque perdemos a conexão com o ambiente, mas continuamos a funcionar. Nossos limiares sensoriais são aumentados de tal forma que um estímulo que nos faria reagir quando estamos acordados não reage enquanto dormimos, a menos que esse estímulo seja suficientemente intenso. Estamos desconectados do meio ambiente, mas uma infinidade de processos continua ocorrendo no cérebro. Por exemplo, uma espécie de sistema de eliminação de resíduos é colocado em operação, o sistema glinfático, que limpa os resíduos que foram produzidos durante a vigília como consequência do metabolismo neuronal. Esse processo é o que nos faz recuperar, acordar revigorados no dia seguinte. De fato, a falta de sono tem sido associada a um maior acúmulo de resíduos, entre os quais a proteína beta-amilóide, que é a que está relacionada ao aparecimento da doença de Alzheimer. Existem também hormônios, como o do crescimento, que participam da reparação dos tecidos, que só são secretados durante o sono. E foi demonstrado que o sistema imunológico também funciona, mesmo com maior intensidade, enquanto dormimos. Na realidade, o sono é essencial para que tudo funcione, nem a última célula do corpo é poupada da falta de sono.
No livro ele usa um exemplo bem visual: quando estamos acordados, o cérebro come cachimbos e é durante o sono que as cascas deixadas para trás são limpas. Ajuda se tentarmos recuperar o sono perdido no fim de semana? Você pode limpar aquelas conchas que deixamos durante a semana?
O sonho não se recupera. As consequências para a saúde do sono que perdemos todos os dias estarão lá. Não podemos dormir cinco horas por dia por semana e pensar que podemos compensar isso no fim de semana. Dormir no final de semana não compensa as horas roubadas de sono durante a semana. Não funciona assim.
Também não é uma boa ideia ir a uma prova ou competição dormindo pouco, certo?
É uma ideia muito difundida. Acho que todo mundo já fez e já pensou que pode sacrificar horas de sono para ganhar mais tempo de estudo. Mas é uma péssima ideia, não só porque ir a uma prova com falta de sono significará ir com suas habilidades reduzidas, mas porque você está evitando um superpoder que tem o sono, que é consertar memórias. Aquele ditado de lição adormecida, lição aprendida é bem fundamentado. Com uma noite de sono, dormindo horas suficientes, o que você estudou ficará melhor gravado na sua memória e você também poderá recuperá-lo melhor na hora da prova.
Além das preocupações de cada um, o que faz nós, espanhóis, perdermos o sono? Que fatores estruturais conspiram para nos fazer dormir pior?
Existem muitos. Por exemplo, nossos horários atrasados. Comemos e jantamos muito tarde em comparação com outros países europeus. E o facto de jantar muito tarde pode contribuir para piorar a qualidade do sono e prejudicar a capacidade de adormecer. A digestão dos alimentos e o sono noturno são dois processos que devem ser separados no tempo. Outro fator são os horários nobres da televisão. Existem programas em horário nobre que muitos jovens e adolescentes assistem, que terminam por volta de uma da manhã. São fatores que contribuem para que as pessoas durmam muito tarde e com certo nível de ativação mental.
Como a mudança de horário nos afeta?
É um assunto muito polêmico, mas do ponto de vista da fisiologia, há um consenso entre as diferentes sociedades científicas de que o melhor a fazer seria abolir a mudança de horário. O que estamos fazendo toda vez que o relógio avança ou atrasa é produzir uma perturbação em nossos ritmos circadianos. Seria melhor adotar o que chamamos de horário de inverno, que na verdade é o horário padrão. Há dados suficientes para indicar que a economia de energia inicialmente atribuída ao outro horário não está realmente sendo gerada. Seria necessário ficar no horário padrão, que é o que melhor se ajusta ao horário solar, embora deva-se levar em conta, em todo caso, que na Espanha já estamos uma hora adiantados em relação ao horário solar. Nosso horário teria que ser o horário do Reino Unido.
Esta antecipação tem a ver com os nossos horários de refeição, mais tardios do que no resto da Europa?
Tudo aponta para sim. De facto, há alguns meses publicámos um artigo em que comparávamos diferentes populações do oeste de Espanha com populações de Portugal. Essas populações compartilham um fuso horário, ou seja, compartilhariam o tempo solar. E quando comparamos, corrigindo pela diferença horária, vimos que não havia grandes diferenças nos horários das refeições. De alguma forma, adaptamos nossos hábitos ao tempo solar. Mas os horários de trabalho não estão adaptados a esta diferença e isso pode significar uma assincronia nos diferentes tempos pelos quais nos regemos.
O que precisamos para que nossos relógios internos estejam no horário e funcionem bem?
O ciclo sono-vigília é o ritmo circadiano mais óbvio em nossas vidas. Para manter nosso sistema circadiano em dia, é essencial nos expormos corretamente a um ciclo de luz e escuridão. Precisamos de exposição à luz natural durante o dia e precisamos de escuridão à noite. Isso está dizendo ao nosso cérebro quando é hora de ser ativo e quando é hora de descansar. É por isso que não é uma boa ideia olhar para o celular com o brilho máximo na cama quando estamos prestes a pegar no sono. Também porque pode ajudar nosso cérebro a ativar. Não temos botão liga e desliga. Temos que preparar o ambiente e mostrar ao cérebro que a noite está chegando. Não podemos ter o mesmo nível de luz em casa às 11 da manhã e às 11 da noite. Por outro lado, para manter o sistema circadiano em dia, também é importante ter horários regulares para as refeições e praticar exercícios físicos regularmente, evitando sempre a hora de dormir.
Esta exposição à luz influencia a forma como as nossas cidades são iluminadas?
A poluição luminosa é um problema que muitas vezes não recebe atenção suficiente, mas pode ter efeitos no sono e na saúde humana. Acima de tudo, devemos ter em mente que a iluminação pública pode ser trazida para dentro de casa, o que chamamos de intrusão luminosa. É comum ver janelas de casas que têm um poste de luz logo ao lado. E essa luz pode entrar no quarto. A solução para nos protegermos é baixar ao máximo a persiana, mas isso também impede a entrada de luz natural ao amanhecer, com o que também vamos perdendo aquele potencial sincronizador do ciclo natural de luz e escuridão. Além disso, as administrações públicas optam frequentemente pela tecnologia LED para iluminação pública, que é muito eficiente, mas ilumina muito mais. E em termos biológicos, com a iluminação às vezes menos é mais. É essencial focar na proteção do ambiente que nos permite dormir bem. A mesma coisa acontece com o ruído. Não pode ser que uma varredora passe uma hora circulando a mesma praça em um horário em que a população deve ter um ambiente tranquilo para dormir. Os hábitos e a vontade individual de dormir bem são muito importantes, mas também a vontade daqueles que de alguma forma são obrigados a proteger as condições ambientais e garantir um sistema público de saúde que cuide do sono. Muitas vezes também vemos isso: as unidades de sono especializadas são escassas e hoje um médico de atenção primária não tem tempo suficiente para atender um paciente que chega com um problema de sono de múltiplas origens.
Os problemas do sono recebem menos importância do que outros problemas de saúde?
Às vezes, há até uma tendência a romantizar a insônia, porque muitos autores acreditam ter tirado vantagem artística dela. Mas o que não sabemos é do que eles seriam capazes se tivessem dormido bem. Talvez seu trabalho e seu legado fossem maiores. É um erro romantizar os problemas do sono. Muitas vezes, um problema de sono é um sintoma de que algo está errado com sua saúde mental. Você tem que pedir ajuda quando sofre.
Eles conseguirão nos manipular através dos sonhos no futuro?
Eu levanto isso no livro porque, embora hoje seja ficção científica, o progresso está sendo feito nessas coisas aos trancos e barrancos. No momento não foi alcançado, mas deve ser levado em consideração porque é possível que em algum momento seja alcançado. e pode ser perigoso. Pergunto aos meus alunos em sala de aula o que eles fariam se pudessem tomar um comprimido para substituir a necessidade de dormir. A priori, muitos dizem que aceitariam, mas depois percebem as consequências que isso traria. Muitas vezes ansiamos por certas descobertas científicas e não pensamos nas implicações que essas descobertas podem ter. Acho que são questões sobre as quais devemos refletir.

De acordo com os critérios de

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Joseph Salvage

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