A ferrovia que nunca chega.


Tivemos alguns dias agitados com atividades muito ao gosto daqueles que se autodenominam muito enfaticamente patriotas, às vezes até constitucionalistas (dependendo de quais artigos, claro). Como se fosse necessária a sua proclamação contínua aos quatro ventos. Uma característica muito comum destes cidadãos é que lhes custa muito sustentar a Pátria, economicamente, claro. Principalmente aqueles solidários que deram “caçarolas” para espalhar o coronavírus quando nos confinamos (estavam tentando democratizá-lo?). Neste momento criaram um paraíso fiscal em Madrid, um sumidouro para todos os tipos de recursos do centro de Espanha.

Não sei se com estas atividades o governo, que tanto se vangloria da sustentabilidade e do combate ao Aquecimento Global e à poluição, pretende fazer-nos sentir a sua proximidade face à eterna reclamação do abandono. Podem ser vistosos, não entro no custo, mas talvez o povo de Salamanca (sem quantificar, não tenho sabedoria para dizer todos) apreciasse algo mais sólido. Por exemplo, recuperar e aumentar frequências ferroviárias, uma nova linha, como para Portugal, ou recuperar outra em permanente estudo de viabilidade. Mudar os gestores políticos ferroviários também poderia ter um resultado magnífico. Por enquanto, pelo menos, forneça-lhes óculos de rastreamento de trens não utilizados e utilizáveis.

Não sei onde o actual governo conseguiu estes gestores, mas parecem uma competição sobre como fazer pior, se se pretende ser um símbolo progressista da sustentabilidade e do ambiente. Se o objetivo é proteger o neoliberalismo disfarçado de algum ministro, distribuidor de desigualdades, são fantásticos. Um governo com alguma presença verde deve ter uma gestão diferenciada de meios e infraestrutura de transporte. Pelo menos a perspectiva do serviço público ao serviço de todas as pessoas. A boa ideia de baratear as passagens de pouco adianta se muito território não puder utilizar o trem, favorecendo mais uma vez as grandes cidades.

Há anos, os países europeus, com a chamada Eurovinheta, comprometeram-se a cobrar pela utilização das infra-estruturas de transporte rodoviário, com as quais os nossos transportadores pagam essas estradas noutros países. A Espanha, para variar, foi preguiçosa, apesar de ter de fazê-lo na crise de 2008 e na última da pandemia. Agora parece contornar isso com o compromisso de apostar decisivamente no caminho-de-ferro, como a criação de “rodovias ferroviárias” para mercadorias. Traduzido em despesa pública, aumenta nas ferrovias e continua a manutenção das estradas através dos orçamentos do Estado. Este último é o sonho de ouro de muitos cochistas, cujos principais porta-vozes tendem a ser muito patrióticos.

Aqui voltamos ao início. O dinheiro do Estado vem através de impostos contribuídos pelos cidadãos. E os autoproclamados patriotas constitucionais sempre defendem a sua redução. Embora os descontos sejam muitas vezes para poucos muito ricos, apesar da progressividade mencionada na Constituição. Se não se arrecadar mais, já vimos como é deduzido de investimentos públicos como Saúde ou Serviços Sociais, até cortaram pessoal na Segurança Cidadã (sim, os da Plaza Mayor esta semana). E se o governo progressista decidir aumentar os impostos para isso, no final quem não tem carro continuará a pagar pelas estradas. Dilema interessante.

Mas a substituição dos comboios “suspensos” é uma despesa já contemplada. Ainda não entendo o motivo que o impede se o material existe, exceto por más intenções. A experiência mostra a vontade de Salamanca de encher os comboios com um incentivo mínimo. Tenha pena da miopia dos gestores ferroviários, que sabem para onde olham. Aliás, por que não aproveitaram as exaltações patrióticas trazendo-as naquele trem recuperado? Quando “A humanidade abriu as portas do inferno“, segundo o secretário-geral da ONU, impedir anualmente dezenas de milhares de mortes prematuras devido às alterações climáticas e à poluição parece ser uma boa razão.

Miranda Pearson

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