Um suposto caso de corrupção envolvendo pessoas próximas ao líder. Manchetes de jornais, reportagens, talk shows onde nada mais é discutido e a oposição elevando os decibéis do ruído político a ponto de deslegitimar o Governo. E depois?
O padrão que se vive na Espanha atualmente em relação a Pedro Sánchez e sua esposa não é novo. Nem todos os casos são iguais, mas as campanhas para deslegitimar a direita quando não está no poder já acontecem há muito tempo, e não conhecem fronteiras. Aconteceu recentemente em Portugal, onde os socialistas perderam o governo depois que António Costa renunciou devido a um suposto caso de corrupção que não deu em nada.
É verdade que se, em vez de viver em Portugal, alguém vive em outro lugar, o líder pode acabar injustamente na prisão, como Lula da Silva, ou acusado, como Dilma Rousseff; ou no exílio, como Evo Morales, da Bolívia – quando foi alvo de um golpe de Estado – ou Rafael Correa, do Equador, onde o governo agora cometeu um assalto inusitado à embaixada mexicana em Quito para levar embora o ex-vice-presidente Jorge Lasso.
Mas também pode acontecer que se manifestem todos os dias à porta da casa dos seus rivais de esquerda com vuvuzelascomo aconteceu com Pablo Iglesias e Irene Montero – além dos múltiplos casos construídos pela mídia e pelos tribunais que não deram em nada, como o de Neurona, o babá. o suposto financiamento estrangeiro irregular, o relatório do PISA e o caso contra Vicky Rossell, entre outros.
A espiral de desumanização e deslegitimação do adversário político pode levar até mesmo à tentativa de assassinato de Cristina Kirchner, por exemplo, ou ao assalto ao Capitólio, em 2020, ou aos três poderes em Brasília, em 2023.
Sánchez tirou alguns dias de folga para refletir sobre seu futuro. O gatilho é a abertura de um processo por um juiz de Madri contra a esposa de Sánchez por uma denúncia baseada em recortes de imprensa contendo notícias falsas. Independentemente de o assédio pessoal contra Sánchez e sua esposa vir de longe, a verdade é que ele está considerando deixar o cargo como resultado de um caso legal de vida muito curta.
E por causa de um processo judicial de curta duração, Portugal passou de um governo socialista para um governo conservador, num parlamento com um número recorde de deputados de extrema-direita e partidos de esquerda mínimos –PS, Bloco e PCP–.
Mas o que aconteceu com o processo judicial que derrubou o governo socialista de Portugal?
A chamada operação Influencer causou um terramoto político em Portugal. E cinco meses depois de o caso ter vindo a público, não há detidos entre os arguidos, que estão apenas sujeitos à medida menos gravosa de um título de identidade e residência, uma vez que o Tribunal da Relação de Lisboa considerou que não há provas que sustentem a ideia de que tenha havido “qualquer tipo de crime”.
O que os juízes decidiram?
O Tribunal de Apelações proferiu uma decisão há dez dias no contexto de um recurso interposto por dois réus e pelo Ministério Público contra as medidas cautelares aplicadas nesta operação judicial. Após um longo período de questionamentos em novembro, o juiz de instrução decidiu que não havia provas suficientes para manter qualquer um dos réus em prisão preventiva. O Ministério Público contestou a decisão e interpôs recurso, mas acabou derrotado mais uma vez por não ter conseguido fornecer provas suficientes para provar que havia um crime nos atos supostamente cometidos.
Como os juízes justificam a decisão?
Num extenso documento com mais de 300 páginas, os juízes consideram que o Ministério Público fez “juízos especulativos” e que não houve “nenhum indício” de favorecimento indevido ao projeto de construção de um centro de dados na cidade portuária de Sines, sendo estas acusações “vagas” e “genéricas”. O Ministério Público é criticado por criar uma ideia baseada em escutas telefónicas que “nada mostram”.
Os juízes também se perguntam por que a acusação, para sustentar sua argumentação, decidiu anexar aos autos mais de 1.000 páginas de artigos de jornais e revistas sobre o caso, algo que “não tem utilidade alguma”, pois “não constituem prova dos fatos que se pretende demonstrar”.
O que estava em jogo?
No dia 7 de novembro, Portugal acordou com uma série de buscas em gabinetes, ministérios e na residência oficial do primeiro-ministro. A acusação acreditava que o governo tinha favorecido a empresa Startcampus, que queria construir um centro de dados em Sines, no sudoeste do país. Na manhã das buscas, um comunicado da acusação enviado aos jornalistas detalhou que “foi também descoberto que os suspeitos invocaram o nome e a autoridade do primeiro-ministro para desbloquear os procedimentos”, numa tentativa de indicar que António Costa estava envolvido no alegado esquema de favorecimento. Costa nunca foi acusado, mas demitiu-se no mesmo dia.
Esta decisão isenta António Costa de culpas?
António Costa não era um dos arguidos nem alvo direto do julgamento, e o tribunal demonstrou que não há provas do envolvimento do antigo primeiro-ministro neste processo.
Qual é o futuro de António Costa?
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, afirmou recentemente que “a existência de um português como Presidente do Conselho Europeu está mais próxima”, numa clara referência às ambições europeias de António Costa.
A única coisa que se sabe com certeza é que Costa retornará, por enquanto, à sua função de comentarista no novo canal de televisão News Now.
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