‘Alma viva’, Portugal procura o seu primeiro Goya com uma história de bruxaria e origens

Madrid, 20 jan (EFE).- É magia, bruxaria e superstição, mas também tradição e uma reivindicação da força das mulheres. “Nunca devemos esquecer de onde viemos”, garante à EFE Cristèle Alves Meira sobre o seu filme de estreia, ‘Alma viva’, com o qual concorre ao Goya de melhor filme ibero-americano, na primeira nomeação para Portugal.

Francesa de origem portuguesa, Alves rodou o filme em Trás-os-Montes, região nordeste de Portugal de onde vem a sua mãe e onde passou todas as férias de verão, Páscoa e Natal. “A cidade da minha mãe não fica longe de Espanha, apenas a 30 minutos de distância”, explica Alves numa entrevista telefónica.

“O filme inspirou-se nas histórias que ouvi na minha infância, da cidade e também da região. Com ‘Alma viva’ quis testemunhar a energia daquela região montanhosa (…) São muito pessoais e memórias íntimas”, destaca.

O filme é tão pessoal que a protagonista é sua filha, Lua Michel, que tinha apenas oito anos durante as filmagens e que faz um trabalho espetacular como Salomé, a menina que retorna das férias para a cidade de sua família, onde mora sua querida avó. , e que ele tem que enfrentar o ódio, as disputas entre vizinhos e o peso das almas e dos espíritos.

“Não foi nada planejado, eu estava grávida quando comecei a escrever o filme”, lembra o cineasta, que acredita que foi fácil para a menina entrar no papel porque a história é sobre um mundo de magia, bruxaria , e rituais que lembram lendas ou histórias, à linguagem de filmes como Harry Potter.

O mais difícil foi o tema do luto que centra parte do filme, mas filmá-lo permitiu “quebrar o tabu da morte”, algo que Alves considera muito interessante para o processo educativo da filha.

Michel já trabalhou anteriormente noutras curtas-metragens, várias delas rodadas na mesma região de Trás-os-Montes, uma zona repleta de rituais pagãos, cultura celta e uma forte relação com a natureza que marcaram a sua vida e obra.

“Na minha família”, reconhece, “acreditamos no poder das plantas, dos espíritos. Não tive uma avó como a do filme, mas sempre ouvi falar de maldições, de relações complexas entre famílias… “.

É algo que acontece lá, mas em muitas outras partes do mundo, também em França, onde vive. Isto faz com que a pequena história local de ‘Alma viva’ tenha um carácter claramente universal e é o que Alves acredita ter chamado a atenção do Festival de Cannes, onde participou na Semana da Crítica, ou da Academia Portuguesa de Cinema para a seleccionar. para os Goyas.

Mas o filme não se limita apenas a essa magia. Ela usa esse mundo especial para falar sobre a cultura patriarcal, o papel da mulher, acusada de bruxaria por fugir um pouco das regras, por deixar aparecer o lado negro de sua personalidade.

E, sobretudo, a relação entre os vivos e os mortos. “Os vivos fecham os olhos dos mortos e os mortos abrem os olhos dos vivos”, diz um dos personagens do filme, que fala dessas “crenças mais antigas e arcaicas”.

“Tratava-se de mostrar que é minha herança de uma terra que dizem não ser cultivada”. “Mas você nunca deve esquecer de onde veio”, acrescenta ela, convencida.

Um filme que serve de alerta para uma sociedade em que as pessoas estão cada vez mais sozinhas, apesar da hiperconectividade através da internet e das redes. “Precisamos de um pouco mais de poesia, de lirismo, de aventura”, afirma Alves, feliz por continuar dando visibilidade ao seu filme com a indicação Goya.

O filme concorrerá ao Goya de melhor filme ibero-americano com outros filmes do Chile, Porto Rico, Argentina e Venezuela.

“Nunca penso no resultado, só sinto necessidade de fazer um filme.” E embora ficasse feliz em ganhar o Goya, ela afirma rindo: “Eu sempre me preparo para um desastre”.

Alícia García de Francisco

Darcy Franklin

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