A União Europeia (UE) lançou luz sobre a regulamentação dos conhecidos como nómadas digitais, profissionais que teletrabalham para uma empresa num país a partir de outro Estado. E fê-lo através de um acordo-quadro que dá mais flexibilidade nas contribuições para a Segurança Social quando esta situação ocorre em dois países europeus que assinaram o documento.
O texto aborda a realidade do teletrabalho transfronteiriço, modalidade que proporciona mais flexibilidade no ambiente de trabalho. A escassez de profissionais em áreas críticas para as empresas levou-as a contratar funcionários de outros países, algo que afecta principalmente os sectores tecnológico, de consultoria e financeiro, mas também ocorre em zonas geográficas mais próximas da fronteira.
Os regulamentos que regem este tipo de trabalhadores foram modificados. O acordo-quadro relativo à aplicação do n.º 1 do artigo 16.º do Regulamento de Coordenação dos Sistemas de Segurança Social introduz uma exceção para estes casos, com validade de cinco anos, prorrogável. O documento passou um pouco despercebido, quando foi publicado no Diário Oficial do Estado (BOE) de 4 de agostoembora tenha entrado em vigor em 1º de julho de 2023.
Os teletrabalhadores transfronteiriços podem reger-se pela legislação do Estado onde a empresa tem a sua sede e não pela do país onde residem habitualmente se preencherem uma série de requisitos: devem solicitá-lo previamente e as funções que exercem realizar remotamente a partir do seu país de residência deve ser inferior a 50% do tempo total de trabalho.
Segundo Juan Carlos Fernández, sócio trabalhista do escritório Abdón Pedrajas, sua aplicação traz vantagens para as empresas. Entre eles, “a possibilidade de usufruir de maior segurança jurídica, pois permitiria a estes trabalhadores manter as suas contribuições num único Estado-membro de forma contínua, evitando a burocracia, o tempo e os recursos que a recorrente alteração da legislação em matéria de Segurança exige. ” Social, eu estava assumindo”, destaca.
Esta opção pode ser solicitada tanto pelo próprio empregador quanto pelo interessado. Não é obrigatório que os pedidos de exceção passem pelas autoridades dos dois países envolvidos, mas apenas por aquele onde está localizada a sede empresarial, explica Carmen Galán, sócia-gerente trabalhista da Lener.
Requisitos
Por exemplo, um trabalhador espanhol contratado em San Sebastián como vendedor, mas que vive em Biarritz. Até agora, para manter a ligação à Segurança Social espanhola, este comercial tinha que prestar serviços em Espanha durante pelo menos 75% do seu horário de trabalho. Da mesma forma, este funcionário espanhol não poderia teletrabalhar mais de 25% a partir de Biarritz (pouco mais de um dia por semana) se não quiser que a legislação francesa lhe seja aplicada.
Com o novo acordo europeu, se todos os requisitos forem cumpridos”, disse que 25% passa a 50%, para que este vendedor possa teletrabalhar mais tempo em França, entre dois a três dias por semana, e continuar a contribuir na Segurança Social espanhola. Este trabalhador espanhol residente em França poderá passar mais tempo em teletrabalho a partir de sua casa sem provocar alterações na legislação”, explica Iván Preciado, associado laboral sénior da Cuatrecasas.
A origem desse problema está na pandemia. Os confinamentos provocaram a ocorrência de uma anomalia em certas zonas da Europa, como Bélgica, Países Baixos e França: os trabalhadores que prestavam os seus serviços presencialmente num país próximo do seu eram obrigados a teletrabalhar a partir dos seus países de residência. A natureza excepcional do momento permitiu que fosse resolvido.
O problema surgiu mais tarde, segundo Javier Alonso de Armiño, associado sénior da Sagardoy, quando se tornou mais frequente a opção de teletrabalho ou trabalho híbrido alguns dias por semana. Até então, era aplicado o Regulamento comunitário 883/2004 relativo à coordenação dos sistemas de segurança social.
Atualmente, em aplicação deste regulamento, explica Alonso Armiño, uma pessoa contribui no seu país de residência sempre que aí trabalha uma parte substancial do tempo, 25%. “Este novo acordo-quadro atualiza este critério e traz sabedoria para um caso muito específico, o do teletrabalho transfronteiriço, porque o estende a menos de 50% do tempo total de trabalho”, esclarece o advogado.
Para a advogada Carmen Galán, vale perguntar sobre outros cenários que levantam algumas incógnitas sobre como proceder. É o caso de pessoas que, para além do teletrabalho transfronteiriço, exercem uma atividade adicional no seu país de residência. Ou quando os trabalhadores exerçam regularmente outra atividade num Estado terceiro, diferente da sua residência pessoal e sede empresarial. São casos que estão fora do âmbito deste acordo.
Embora os activistas laborais consultados concordem que este regulamento tem um âmbito muito limitado, o dos nómadas digitais, acreditam que proporciona mais segurança porque oferece uma interpretação harmonizada de alguns artigos do regulamento.
Graças ao que está incluído neste acordo-quadro, “a empresa poderá oferecer um regime de teletrabalho mais amplo aos seus trabalhadores transfronteiriços, o que sem dúvida resultará na capacidade dos empregadores de reter e atrair talentos”, afirma Álvaro Fernández, sénior associado de trabalho da Cuatrecasas, que destaca que o documento não contempla alterações nas regras de residência fiscal e fiscalidade. Algo positivo se pensarmos na cruzada das empresas para atrair talentos, mesmo além-fronteiras.
Países signatários
Entre os requisitos para ter acesso ao convênio está a necessidade de o empregado ou empregador solicitá-lo previamente. Além disso, o trabalho no país de residência não pode exceder 50% da jornada total de trabalho e o trabalhador deve utilizar tecnologias de informação para as suas funções. A norma se aplica apenas aos países signatários. O trabalhador e a empresa devem ter, respetivamente, residência e domicílio num dos Estados signatários: Alemanha, Suíça, Liechtenstein, República Checa, Áustria, Países Baixos, Eslováquia, Bélgica, Luxemburgo, Finlândia, Noruega, Portugal, Suécia, Polónia, Croácia, Malta, Espanha e França. O acordo não se aplica a trabalhadores independentes ou nómadas de países terceiros.
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