Venderam um futuro “brilhante” a jovens de 34 países que sonhavam ser estrelas do futebol, mas as autoridades portuguesas consideram que a realidade está mais próxima do tráfico de seres humanos. O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras interveio na academia BSports, que preside Mário Costa, também dirigente da Liga Portuguesa de Futebol até à sua demissão esta quarta-feira, para resgatar 36 menores de diferentes nacionalidades que tiveram a liberdade de circulação limitada após o passaporte ter sido retirado pelo pessoal do centro desportivo, localizado em Vila Nova de Famaliçao , no norte do país. A Procuradoria-Geral da República confirmou em nota que os menores foram retirados da academia e entregues a instituições de proteção “porque corriam risco”. Além disso, outros nove adultos foram resgatados e encaminhados para diferentes abrigos para adultos. Os alegados crimes de tráfico de seres humanos afectam 47 estudantes, segundo o semanário Expresso.
Durante as buscas ao centro, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras identificou 85 pessoas com idades entre os 13 e os 22 anos provenientes de países da América, África e Ásia, onde a academia tinha parceiros de projetos para recrutar jovens. As famílias interessadas pagavam entre 600 e 1.300 euros por mês pela formação dos seus filhos, que viviam num regime de controlo absoluto dos seus movimentos. A colombiana Maria Garavito, mãe de um dos menores afetados, explicou à televisão pública RTP que tentou rescindir o contrato com a academia pouco depois da chegada do filho a Portugal devido às más condições das instalações. “Nunca me atenderam, depois de oito dias me disseram que não dava para fazer e que eu tinha que pagar todo o contrato. Naquela época eu não sabia que haviam tirado o passaporte do meu filho. Ele estava nas mãos deles”, explicou Garavito. O filho dela, de 16 anos, conseguiu recuperar a documentação e fugir da academia. “Ele veio à minha casa magro e desnutrido”, disse a mãe, que destacou o facto de nunca ter sido informada da fuga pelos responsáveis do centro.
A academia BSports apresenta-se como “o maior projeto de formação desportiva do mundo” para crianças que ambicionam ter sucesso no futebol. “Nascemos para formar homens completos para um futuro brilhante”, proclamam no vídeo onde é apresentado o centro, que afirma contar com o apoio de instituições oficiais como o Governo português ou a Universidade do Porto. Miguel Frasquilho, que foi presidente do conselho de administração da companhia aérea TAP e secretário de Estado do Tesouro num Governo do Partido Social Democrata (centro-direita), foi embaixador do projeto desde o final de 2020. Depois da operação, ele divulgou um comunicado para se distanciar de possíveis ilegalidades. “Quando me apresentaram o projeto, aceitei o convite porque me pareceu um projeto de excelência”, afirma na nota, onde garante nunca ter observado nada de ilegal.
Depois das buscas na academia e na casa particular do seu presidente, Mário Costa, a Liga Portuguesa de Futebol convocou uma reunião de emergência para analisar o envolvimento de um dos seus dirigentes no caso. Na noite de quarta-feira, o órgão desportivo noticiou em comunicado a demissão de Mário Costa do cargo de presidente da Mesa da Assembleia Geral da Liga Portuguesa. O Ministério Público declarou Costa “arguido”, figura jurídica portuguesa que identifica suspeitos oficiais. A investigação à academia começou em 2020 na sequência de denúncias do consulado de um país asiático não identificado pela imprensa portuguesa.
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