Cuba e Portugal: uma familiaridade ininterrupta (+Audio)

LISBOA, Portugal.- Quando perdemos a esperança, o mundo torna-se inacessível. Em sua grande obra – “Ensaio sobre a cegueira” – o Prêmio Nobel de Literatura e filho de solo português, José Saramago, finca uma bandeira pelo amor entre os seres humanos e por essa bela palavra -esperança- que ilumina caminhos.

Saramago, que nos inspira orgulho pela sua grandeza e pela sua identificação com a Ilha, legou-nos a convicção de que a cegueira é desgosto. A sua criação literária, como tantas outras realizações, aproxima Cuba e a República Portuguesa numa espécie de familiaridade que se eleva sobre as águas do Atlântico.

Hoje, como a reafirmar que os laços entre as duas nações são profundos e tendem a consolidar-se, o Primeiro Secretário do Comité Central do Partido Comunista e Presidente da República de Cuba, Miguel Díaz-Canel Bermúdez, chega a solo português para Cumprir uma visita de Estado (de 13 a 16 de julho), a convite do seu homólogo português, Marcelo Rebelo de Sousa.

A chegada do Chefe de Estado à Ilha ocorre no contexto da III Cúpula de Chefes de Estado e de Governo da CELAC-União Européia, que será realizada em Bruxelas, na Bélgica, nos dias 17 e 18 de julho. (Minrex) definiu em uma de suas declarações, os líderes de ambas as regiões se reunirão novamente após oito anos sem fazê-lo, em um contexto internacional muito complicado, onde, apesar de tal realidade, essa importante reunião poderia, se a transparência não for renunciado, seja uma oportunidade para começar a mudar o cenário global.

Momentos anteriores da agenda atual

O Presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, esteve na nação caribenha em outubro de 2016, e no seu programa de alto nível registaram-se momentos importantes, como o encontro com o Comandante-em-Chefe, Fidel Castro Ruz, e também com o então o dignitário cubano, General de Exército Raúl Castro Ruz. Essas horas foram uma homenagem do presidente ao Apóstolo José Martí; e dar uma conferência na Aula Magna da Universidade de Havana, sobre os vínculos do país europeu com as Grandes Antilhas e com a América Latina.

Naquela que foi a primeira visita de um Chefe de Estado português a Cuba, o dignitário falou com o seu homólogo, o então Presidente dos Conselhos de Estado e de Ministros, General de Exército Raúl Castro Ruz, sobre o bom estado das relações bilaterais e a vontade de ampliá-los, sem deixar de falar de vínculos econômico-comerciais, de investimento e de cooperação.

Ao itinerário daquela visita não faltou a clara posição da nação transcontinental face ao bloqueio imperial sofrido por Cuba, explicitado através de declarações do Presidente da República Portuguesa, que enunciou —a propósito do contundente apoio global que outrora a Isla voltou a receber naquelas horas nas Nações Unidas, na sua luta para pôr fim ao injusto cerco do Governo norte-americano, que a “boa notícia para Cuba é uma boa notícia para Portugal”.

Esta visita – tinha declarado aos jornalistas Marcelo Rebelo de Sousa, logo que chegou ao Aeroporto Internacional José Martí em 2016 – “é a prova do estreitamento das relações entre Portugal e Cuba”.

Desde então, o enfático agradecimento de Fidel à atitude de Portugal perante o desumano bloqueio imperial fica registrado como um gesto valioso, um bloqueio que, como declarou o líder histórico da Revolução Cubana, o povo da nação caribenha jamais aceitará.

Foi este o mesmo tom de agradecimento com que, em Junho deste ano, o Presidente Díaz-Canel falou do Palácio da Revolução ao Secretário-Geral do Partido Comunista Português (PCP), Paulo Raimundo, que se encontrava na Ilha a cumprir uma visita oficial, e ao ser recebido pelo presidente, falou-lhe de forma fraterna e com admiração sobre o esforço que as autoridades e o povo cubanos estavam fazendo em consequência das chuvas torrenciais que atingiram a parte oriental do país naquela época.

As palavras de agradecimento que o Chefe de Estado dirigiu ao visitante especial foram: “Sabemos que em tempos difíceis só vêm a Cuba bons amigos, visitam Cuba, arriscam-se a vir a Cuba e prestam-nos a sua solidariedade”.

laços permanentes

“As relações entre Cuba e Portugal, estabelecidas a 6 de maio de 1919, caracterizam-se não só por serem ininterruptas, mas também por serem relações baseadas em tradições históricas e culturais; e temos importantes acordos e trocas de visitas com eles”, Zelmys María Domínguez Cortina, responsável por Portugal na Direcção para a Europa e Canadá (que por sua vez pertence à Direcção-Geral dos Assuntos Bilaterais do Ministério dos Negócios Estrangeiros).

O especialista destacou dois marcos na história das relações entre as duas nações: a visita a Portugal, em 1998, do Comandante-em-Chefe Fidel Castro Ruz, para participar da Oitava Cúpula Ibero-Americana de Chefes de Estado e de Governo, realizada no Porto ; nos dias 17 e 18 de outubro. E a segunda visita do dirigente cubano à nação europeia, em 2001, durante passagem por Lisboa – ocasião em que manteve encontros com o então Presidente da República Portuguesa, Jorge Sampaio, e o então Presidente do Conselho Europeu, António Guterres.

Os laços atingiram um nível elevado em 2016. Esta foi a reflexão do embaixador, que fez referência às visitas oficiais à Ilha, nesse ano, do então ministro português dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva -hoje Presidente da Assembleia da República- , bem como o atual dignitário, Marcelo Rebelo de Sousa.

Zelmys María Domínguez sublinhou que Portugal é “um país que tem importantes grupos de solidariedade para com Cuba”. Nesse sentido, aludiu também aos grupos parlamentares de amizade, e abordou as relações entre as câmaras de comércio de Portugal e Cuba.

“Portugal – enfatizou – é um dos principais sócios comerciais de Cuba, dentro dos países da Europa e do mundo, e sempre apoia a Resolução cubana contra o bloqueio, como parte da União Européia; e desenvolve também múltiplas actividades de apoio, não só contra o bloqueio como também contra a inclusão de Cuba na lista de países patrocinadores do terrorismo, que os amigos de Cuba em Portugal denunciam pelo seu carácter ilegal”.

Sobre a visita que o Presidente Díaz-Canel faz à República Portuguesa nesta altura, o embaixador assegurou que “terá uma grande repercussão, não só do ponto de vista político”: não só retribuirá a visita do Presidente português a Cuba em 2016, mas também contribuirá para o aprofundamento do diálogo político a nível governamental, local e parlamentar; enquanto se espera a expansão e consolidação das relações bilaterais nos campos econômico, comercial e de cooperação.

“Estamos em um novo momento de relacionamento”, disse Zelmys María Domínguez. Na sua opinião, é especialmente valioso que Portugal seja “um dos países que defende o diálogo político e o acordo de cooperação entre Cuba e a União Europeia”, o que, disse, “é importante porque este tipo de acordos está a ser cumprido com o troca sincera entre os dirigentes, ao mais alto nível, dos países, neste caso Portugal e Cuba”.

Durante a conversa do diplomata com os jornalistas, outros temas interessantes surgiram; entre eles, a relevância do amplo intercâmbio cultural entre as duas nações e a marca portuguesa na cultura cubana. Falou-se da inauguração, em 17 de fevereiro de 2020, da Sala Especializada em Língua Portuguesa da Faculdade de Línguas Estrangeiras da Universidade de Havana; e sobre como o Gabinete do Historiador da Cidade de Havana tem uma ampla cooperação com Portugal, especialmente em matéria de património histórico.

Desta importante visita do Presidente português a Cuba, há outro momento que merece ser recordado: a 27 de outubro de 2016, o Historiador da cidade de Havana, Dr. Eusebio Leal Spengler, foi distinguido com a Ordem de Santiago de la Espada no posto de Comandante, que lhe foi conferido pelo dignitário europeu.

Existem vários caminhos em um relacionamento marcado pela familiaridade. São muitos os momentos que o demonstram: são as palavras proferidas pelo Comandante-em-Chefe, Fidel Castro Ruz, à chegada ao aeroporto Francisco Sá Carneiro, em Portugal, a 16 de outubro de 1998.

Nesse dia, Fidel disse ao povo português: “Sinto-me muito satisfeito e muito honrado por conhecer este país, do qual tanto ouvi falar ao longo da minha vida, pela sua história tão próxima da história do nosso hemisfério. Por acaso aterrissei neste aeroporto hoje, o que me deixa muito feliz. E quero dizer com toda a sinceridade com que sempre falo, que sinto uma grande simpatia por esta cidade”.

Na ocasião referiu-se ainda a Saramago: “Aproveito para o felicitar pelo Prémio Nobel. Sou amigo de alguns ganhadores do Prêmio Nobel, principalmente de um deles que é muito conhecido, Gabriel García Márquez, e agora acho que vou me sentir honrado pela amizade de outro Prêmio Nobel de Literatura com quem compartilho muitas ideias. Espero ter a oportunidade e a honra de cumprimentá-lo. Já lhe enviei um telegrama, mas quero dedicar-lhe uma das minhas primeiras saudações ao chegar a este país.”
“No caminho lia um telegrama retirado da Internet com um artigo escrito por Benedetti, um prestigioso escritor latino-americano, uruguaio, que realmente expressa com belíssimas palavras sua alegria e sua opinião sobre a extraordinária qualidade intelectual e humana deste novo Prêmio Nobel de Literatura. nascido em solo português”.
Fidel não disse mais nada; mas já se sentia próximo do intelectual premiado. Como não sermos tão daquele que nos deixou escrevendo em seu Ensaio, que a cegueira seria justamente viver em um mundo onde a esperança acabava?


Perfil da República Portuguesa

  • Nome oficial do país: República Portuguesa.
  • Localização geográfica e limites: Situa-se no Sudoeste da Europa, na Península Ibérica. Limita a leste e norte com a Espanha, e a sul e oeste com o Oceano Atlântico. Inclui também os arquipélagos autónomos dos Açores e da Madeira, situados no hemisfério norte do Oceano Atlântico.
  • Extensão territorial: 92.391 km2
  • Número de habitantes: 10 milhões 343 mil 066 pessoas (2021) Fonte: Instituto Nacional de Estatística de Portugal (INE).
  • Nome da capital: Lisboa.

Portugal é um reconhecido país de poetas. A ele pertencem Luís Vaz de Camões, geralmente considerado o maior poeta da língua portuguesa; e Fernando Pessoa, poeta, escritor, crítico literário, dramaturgo, descrito como uma das mais importantes figuras literárias do século XX. E há José Saramago, que com a sua prosa ganhou o Prémio Nobel em 1998, tornando-se assim o primeiro escritor português a obtê-lo. Em Cuba, em novembro de 2022, comemorou-se o centenário de seu nascimento.

Angélica Paredes López | EP117

Cuba e Portugal: uma familiaridade ininterrupta

Miranda Pearson

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