18 de maio. As notícias demoram, os patriotas conspiram, a revolução amanhece

Por Daniel Giarone

“Nas ruas de Buenos Aires, na hora da sesta, não se vê mais do que médicos e cachorros”, escreveu um viajante francês sobre a Grande Vila. Uma grande cidade de calma mortal. Uma centelha na escuridão colonial onde as notícias chegavam tarde de tanto atravessar o oceano e em que os conspiradores traficavam “notícias” misturadas com a correspondência enquanto sonhavam com uma revolução em nome do rei de Espanha.
“Naqueles primeiros anos do século XIX, a comunicação era feita por navio e demorava três ou quatro meses a chegar; três ou quatro meses depois dos acontecimentos”, diz o historiador Norberto Galasso, enquanto começa a separar os fios da meada da Semana de Maio em diálogo com Télam.
Os fatos, esses fatos, diziam que em 18 de maio de 1810 o vice-rei do Rio da Prata, Baltasar Cisneros, não podia mais esconder o que toda a Espanha sabia e pessoas inquietas como Manuel Belgrano e Juan José Castelli acabam de descobrir com o chegada do último navio ao Porto de Montevidéu: que a Junta de Sevilla havia caído. Isso significava, nem mais nem menos, que governar em nome de Fernando VII era uma quimera, mas também um imperativo para quem queria acender em Buenos Aires a centelha de uma América Latina democrática e sintonizada com “as novas ideias” de Liberdade, Igualdade e Fraternidade. forjada durante a Revolução Francesa.
“Ferdinando VII, a princípio, havia assumido as novas ideias, mas depois voltou a ser o reacionário de sempre”, explica Galasso. Mas a história, embora confusa, é contada desde o início, e os patriotas pouco se importavam com o que o homem faria a seguir, o que por outro lado ninguém poderia adivinhar. E foi isso que aconteceu.

O GRITO SAGRADO
Em Janeiro de 1808 as tropas francesas invadem Portugal e depois o resto da Península Ibérica. Carlos V entrega o reino da Espanha ao seu favorito Manuel Godoy e este último a Fernando VII, que finalmente renuncia em favor de José Bonaparte, irmão de Napoleão. No entanto, o povo espanhol tinha outros planos e organizou a resistência à invasão napoleônica por meio de juntas governamentais instaladas nas principais cidades, coordenadas por Sevilha. As diretorias, algumas mais que outras, também queriam a democratização do reino. E o fim do absolutismo.
Essas reuniões do governo seriam a inspiração dos patriotas americanos. E o atalho para a liberdade: se as colônias pertencem ao rei e o rei é impedido de governar, logo, nós nos governamos. É verdade que Fernando VII levantou as bandeiras revolucionárias por alguns dias, tão poucos quantos reinou quando Napoleão o colocou e o tirou do trono. Mas aqui os selos já estão impressos e ninguém se importou com isso.
“A Revolução Francesa repercutiu na Espanha na revolução de 1808. Ocorreu uma revolução democrática onde se constituíram as juntas populares, entre elas a Junta Central de Sevilha, que mais tarde seria substituída pelo Conselho de Regência, que deixaria de ter a impulso das pranchas populares”, explica Galasso. E acrescenta: “Esta perda de vigor revolucionário faz com que os patriotas de Buenos Aires e de diversas cidades da América Latina resistam a aceitar o papel do Conselho de Regência”.
“Quando se sabe que o Conselho de Regência substitui o Conselho Central, surge a necessidade de criar órgãos locais que façam parte dessa revolução que se está a alastrar pelo mundo e que é a revolução pelos direitos do homem, pelas liberdades, pela democracia”, abunda o autor de “Mariano Moreno e a revolução nacional”.

DE BOCA A BOCA
Mas Cisneros quer ficar saudável e em 18 de maio diz que não se importa com a queda do Conselho Central de Sevilha, que o havia nomeado no ano anterior. Ele – insiste em parecer mais credível – permanecerá fiel aos Reis Católicos. Ou seja, Dom Fernando VII.
Claro: nada de formar reuniões populares que usam Dom Fernando nada mais que pelo nome. Isso não diz, é claro. Mas todos em Buenos Aires sabem que ele pensa assim. “El Sordo”, como foi apelidado depois de perder boa parte da audição na Batalha de Trafalgar, havia demonstrado isso com sangue e fogo em Chuquisaca, onde os patriotas pagaram pela audácia da liberdade com torturas e centenas de mortes.
Por esta razão, ao invés de ser cauteloso, era preciso ser cauteloso. E os patriotas sabiam que não há conspiração sem comunicação e que esta, sem WhatsApp ou sinais de notícias, se baseia no boca a boca. E também em boas informações. “Foi feito clandestinamente. Não esqueçamos que tanto na Espanha quanto na América predominou a Inquisição, onde qualquer heresia religiosa era também política, ao mesmo tempo em que condenava qualquer tentativa de pensar livremente”, argumenta Galasso.
“Os escritos de Rousseau, assim como os dos filósofos da Revolução Francesa ou dos pensadores espanhóis, chegaram à América clandestinamente. Mariano Moreno, por exemplo, formou-se na biblioteca de seu protetor, o cônego Terrazas, no Alto Peru. Lá ele encontra o que os padres liam e não deixavam os outros lerem”, explica.

QUEIME ESSAS CARTAS
Furtivamente, circulando a convocação de reuniões secretas de boca em boca, os patriotas não param de se reunir. Na saboneteira de Hipólito Vieytes ou na casa de Nicolás Rodríguez Peña discutem o que se passa em Espanha, sobre como formar um novo governo, sobre a nudez do rei e a tanga da liberdade.
“A comunicação foi pessoal, como em qualquer movimento revolucionário. Os pregoeiros da cidade eram uma expressão da opinião oficial. O vice-rei comunicou através dos pregoeiros da vila, mas os homens que espalham ideias e chamam para ir à Praça são os ‘faíscas da revolução’, é a militância, como sempre”, aponta Galasso, e recupera os nomes de ” French, Beruti, Donado, Cardozo, Dupuy e muitos outros.”
Domingo French era carteiro. Ele receberá peças de acordo com o número de cartas que distribuir. Naquela cidade de ruas com subidas e descidas e geralmente lamacentas “tinha a possibilidade de fazer contacto com as pessoas com a desculpa de entregar o correio”. “Era um homem que estava em contato com diferentes bairros, com diferentes setores, onde podia difundir novas ideias”, sublinha o historiador, que destaca a heterogeneidade daqueles homens que ousaram pensar, talvez pela primeira vez em Buenos Aires, uma grande pátria.
“Antonio Beruti foi um homem inserido no aparelho do Estado; houve alguns outros, anónimos, que apareceram nessa altura, desempregados ou trabalhadores da única tipografia da época, a Real Imprenta de los Niños Expósitos, todos eles encarregados de divulgar a formação das juntas populares em Espanha e o ideais revolucionários”, detalha. Galasso.
No dia 18 de maio amanheceu a revolução, buscava sua forma na hora. “A revolução de 1810 não é separatista, como será em 1816. Senão dir-se-ia que a Pátria nasceu duas vezes e não foi assim”, destaca o autor de “Somos livres, o resto não importa todos”.
“O que acontece na Semana de Maio é uma revolução democrática. Por pressão do povo na rua, convoca-se uma Câmara Municipal Aberta para o dia 22 de maio”, destaca. Mas para isso ainda terão que passar dias críticos, sob a ameaça latente de trapaça e repressão. (Telam)

Joseph Salvage

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