Jorge Sampaio, o último socialista que exerceu a presidência da República em Portugal (1996-2006), morreu esta sexta-feira, aos 81 anos, no hospital de Santa Cruz, em Carnaxide, onde se encontrava internado desde finais de Agosto devido a respiratório insuficiente. O político estava de férias no Algarve, quando teve de ser transferido para o centro de saúde. Aposentado da gestão política portuguesa, manteve-se muito ativo no cenário internacional e focado em ajudar nas múltiplas crises humanas que eclodiram após diversos fracassos políticos. A prova disso foi o último artigo que você escreveupublicado em 26 de agosto no jornal Público, após a conquista do Afeganistão pelos talibãs, onde anunciou um programa de bolsas de estudo para jovens mulheres afegãs através da organização que presidiu, a Plataforma Global para Estudantes Sírios, fundada em 2013 para ajudar adolescentes vítimas do conflito na Síria a se mudarem para Portugal. Nascido em Lisboa em 1939, foi casado com Maria José Ritta e teve dois filhos, Vera e André.
Sampaio, um dos líderes estudantis na crise universitária de 1962, foi também prefeito de Lisboa e secretário-geral do Partido Socialista (1989-1992). Grande buscador de consenso, também não era um homem de medos. O seu pacto com as formações situadas à esquerda dos socialistas para governar na Câmara Municipal de Lisboa quebrou um tabu político, que viria a ser retomado pelo atual primeiro-ministro, António Costa, quando concordou na sua primeira fase de governo com o Bloco de Esquerdas, o Partido Comunista e os ecologistas de Os Verdes. Uma aliança pejorativamente batizada de “gerigonça”, que, no entanto, gozaria de estabilidade política suficiente para realizar orçamentos e medidas de apoio social após a Grande Recessão. Sampaio acertou em 1988 o governo municipal de Lisboa com a CDU, coalizão que então incluía o Partido Comunista Português e o Partido Ecologista dos Verdes. “Posicionar-me é algo que sempre fiz. Quem o faz, custe o que custar, escolhe e não desiste”, declarou numa antiga entrevista à jornalista Maria João Avillez na RTP, a televisão pública portuguesa.
Foi um forte defensor da cooperação multilateral, do diálogo e da “diplomacia preventiva”, como ele mesmo definiu. Ele esteve profundamente envolvido como alto representante da ONU na Aliança de Civilizações, promovida pelo então presidente espanhol José Luis Rodríguez Zapatero e pelo líder turco Recep Tayyip Erdogan como uma alternativa ao belicismo norte-americano após o 11 de setembro. “Infelizmente, apesar da bondade dos seus fundamentos e da sua agenda ambiciosa, esta iniciativa nunca teve os meios humanos e financeiros necessários para cumprir a sua missão”, escreveu no seu último artigo, simbolicamente intitulado “Dever de Solidariedade”. Durante a sua passagem pelo Chefe de Estado de Portugal, desempenhou também um papel de destaque na resolução da crise em Timor-Leste e foi o primeiro presidente internacional a visitar o país, em 2002, após a sua independência.
Antes de se dedicar à diplomacia estrangeira, Sampaio ocupou a Presidência da República Portuguesa por dois mandatos. Ele foi o último socialista a assumir o cargo. A partir de 2006, sucedem-lhe Aníbal Cavaco Silva e Marcelo Rebelo de Sousa, do Partido Social Democrata (centro-direita). A sua fase presidencial não foi fácil pela convivência com governos enfraquecidos pelas suas minorias parlamentares ou pela saída dos responsáveis a meio da legislatura, como foi o caso do socialista António Guterres e do conservador José Manuel Durão Barroso, que renunciou ao presidir a Comissão Europeia a partir de 2004.
Jorge Sampaio sentiu um compromisso político precoce, alimentado talvez pelas características de seus pais, professor de inglês e médico comprometido com a defesa da saúde pública. A sua militância começou durante a ditadura, no final da década de 1950, enquanto estudava na Faculdade de Direito de Lisboa, onde presidia a associação estudantil. “Sentimos que algo precisava ser feito para mudar tudo isso. Sou grato pela experiência que me deu e pela qualidade que nos deu a todos: a capacidade de questionar o futuro e querer melhorar sempre”, declarou na entrevista à RTP. Antes de ingressar no Partido Socialista em 1978, fundou várias organizações de esquerda como o Movimento de Ação Revolucionária ou a Intervenção Socialista.
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O Governo português decretou três dias de luto nacional pela sua morte. O actual Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, adversário de Sampaio nas eleições autárquicas de 1989, elogiou esta manhã o seu espírito combativo. Ele “mostrou que se pode nascer privilegiado e mudar a vida dos menos favorecidos, sempre lutando com serenidade. Um grande homem da democracia e do país”, destacou em comunicado institucional lido da sua residência oficial no Palácio de Belém.
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