Há jogadores que têm escrito em seu ‘DNA futebolístico’ todas as suas experiências vitais. As experiências criam personalidades, dentro e fora de campo, e dentro de campo estas condicionam sempre os perfis dos jogadores. É o caso de Eduardo Camavinga. O francês tem feito o seu caminho como titular no Real Madrid cumprindo em várias demarcações. Essa capacidade de adaptação e gestão de situações de pressão fala das viagens dele e da família: da República Democrática do Congo a Fougeres (França), fugindo do conflito.
Camavinga nasceu em Micanje (Cabinda), cidade de uma das 18 províncias de Angola. Seus pais chegaram lá fugindo da guerra em seu país natal, a nação localizada à direita do rio Congo. De um território convulso eles entraram em outro, no qual veio ao mundo o terceiro dos sete irmãos da família, já que Cabinda é uma área peculiar dentro da África.
A província, embora angolana, situa-se fora das fronteiras da ex-colónia portuguesa. O território está localizado entre o Congo e a República Democrática do Congo, a poucos quilômetros das duas capitais: Brazzaville e Kinsasa, respectivamente. A Frente de Libertação do Enclave de Cabinda (FLEC) tem reclamado constantemente, activa e passivamente e, claro, por meios militares, a autonomia de Cabinda face a Angola.
Desde 1885, a nação com capital em Luanda está nas mãos de Portugal, após a assinatura do Tratado de Simulambuco, que fez de Cabinda um protectorado com alguma autonomia. Em 1956 a situação mudou, tornando-se dependente de Luanda e em 1975, com a independência de Angola, o país assumiu o controle do que hoje é uma de suas 18 províncias. A partir daí, a FLEC inicia um processo armado em busca de autodeterminação. Interesses multinacionais e algumas das principais potências mundiais estão de olho em uma área rica em recursos naturais, especialmente petróleo.
Com períodos de maior e menor violência, o conflito nunca encontrou uma solução definitiva, já que alguns cessar-fogos foram violados. Isto aconteceu na madrugada do Campeonato Africano de 2010, quando a selecção togolesa, de passagem por Cabinda, viu o seu autocarro ser alvejado por engano, deixando vários mortos.
Do fogo à elite
Fugindo da guerra na República Democrática do Congo, Camavinga nasceu em um país onde a violência também era regra. É por isso que sua família logo emigrou para a França, onde o agora jogador do Real Madrid viu que o judô não era sua praia e sim o futebol.
Mesmo na Europa, o meio-campista não deixou de sofrer, já que teve que se adaptar a diferentes lares e situações depois que, aos 11 anos, viu sua casa pegar fogo e seus pais perderam absolutamente tudo.
“Você vai nos tirar dessa situação como jogador de futebol.” O pai viu com clareza, já que o filho logo assinou pelo Rennes e quebrou vários recordes de precocidade no futebol francês: é o jogador mais jovem a estrear na Ligue 1 e com a França.
Agora, no Santiago Bernabéu, exibe tudo o que viveu com um jogo sacrificado, versátil e sempre complacente, pois para chegar onde chegou teve de evitar muitos conflitos, algo que transfere para o campo, melhorando o jogo sempre que ele passa por ela.
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