A geopolítica do Indo-Pacífico. Do século XVI ao século XXI (3)

Emílio de Miguel Calabiael

28 de março de 2023


(espanhol e holandês ocorrendo nas Índias)

Como puderam os holandeses, que ainda lutavam contra a Espanha em seu próprio país, deslocar os portugueses e espanhóis em poucas décadas? Na minha opinião, havia três razões: 1) Sua tecnologia naval era mais avançada que a dos ibéricos, mas isso não teria sido decisivo se dois outros fatores não tivessem concorrido; 2) Enquanto a Coroa da Espanha tinha frentes abertas em todo o mundo, os holandeses só tinham a frente de Flandres, mais aquelas que resolveram abrir no Indo-Pacífico; 3) A forma específica como os holandeses realizaram a sua colonização, muito mais eficaz do que a ibérica.

A ponta de lança da colonização holandesa foi a Companhia Holandesa das Índias Orientais (VOC), uma parceria de capitalistas. A VOC exercia um grau de controle sobre as empresas holandesas no Indo-Pacífico que excedia o grau de controle da Coroa espanhola e certamente o grau de controle nunca exercido pela Coroa portuguesa. A VOC regeu-se por critérios puramente económicos e quase desde o primeiro dia deu retornos. A VOC obteve enormes lucros, transformando a Amsterdã do século XVII em um centro financeiro de classe mundial. No fim das contas, nos conflitos – principalmente os duradouros – o que vale é quem tem os bolsos mais cheios e, neste caso, foram os holandeses.

Niall Ferguson, em “Dinheiro e poder”, afirma que os holandeses do século XVII colocaram em prática a fórmula que os ingleses mais tarde adotariam e aperfeiçoariam para se tornarem os donos do planeta. Os componentes dessa fórmula eram: 1) Não desperdiçar recursos em guerras hegemônicas na Europa. Os britânicos, sendo uma ilha, tiveram mais facilidade; os holandeses sempre tiveram sua fronteira sul, primeiro ameaçada pela Espanha e depois pela França; 2) O importante é ter uma Marinha forte, que lhe permita dominar as rotas comerciais. Foi exactamente isso que aconteceu no Indo-Pacífico: a marinha holandesa permitiu-lhe entrar nas rotas comerciais onde até então os portugueses se comportavam como reis; 3) Conseguir se tornar um centro financeiro global.

Alguém poderia se perguntar se a união das coroas espanhola e portuguesa em 1580 não teria criado um domínio quase inatacável na região. A resposta é não, porque sempre foi uma união imperfeita, em que Portugal conservou muita autonomia. As estruturas administrativas do Estado Português da Índia continuaram a funcionar como antes da união e os seus funcionários públicos permaneceram portugueses. Os portugueses, muito ciumentos de seus interesses e de suas posses, não permitiram que os espanhóis interferissem em seu império. Quase preferiram enfrentar sozinhos os ataques dos holandeses a pedir ajuda aos espanhóis e correr o risco de serem introduzidos em seus mercados.

Um exemplo das relações muito peculiares que os espanhóis e portugueses mantinham no Indo-Pacífico é que, quando os espanhóis conquistaram Ternate em 1606, não sabiam se a devolviam aos portugueses para administrá-la de Goa ou Malaca ou a anexavam. à Capitania Geral das Filipinas. . No final, optaram por uma solução salomónica: Ternate ficaria dependente das Filipinas, mas o comércio do cravo-da-índia ficaria nas mãos dos portugueses. Ou seja, a Espanha arcaria com os custos da defesa de Ternate, mas os lucros iriam para os portugueses. Somos gênios em negociar!

Só consigo pensar em uma vez em que os espanhóis e portugueses cooperaram no Indo-Pacífico em um grande empreendimento geoestratégico. Aconteceu em 1615, quando o governador das Filipinas, Juan de Silva, pensou em enviar uma grande frota hispano-portuguesa às Molucas para expulsar os holandeses. Conseguir que Goa contribuísse para a empresa foi muito difícil. Esforçando-se, contribuiu com quatro galeões e 300 soldados, que acabariam no fundo do mar ao serem inesperadamente atacados por uma esquadra holandesa de cinco navios. Ignorando o destino da flotilha portuguesa, da Silva partiu de Manila em 28 de fevereiro de 1616 com dez galeões, quatro galés e quatro pequenos navios de acompanhamento, transportando cerca de 5.000 homens entre marinheiros e soldados. Seu plano era unir-se à força portuguesa em Malaca. A notícia do desastre português não alterou seus planos; ele foi para Malaca e lá fez duas coisas. A primeira era mexer um pouco com o sultão de Johor, cujas lealdades não eram bem conhecidas. A segunda foi morrer. Esta segunda decisão foi mais benéfica para o império espanhol do que a primeira. O retorno da Marinha às Filipinas foi um desastre pelas febres que lhe causaram mais estragos do que pelos combates que não travou. Esta pequena história mostra as grandes fraquezas que o império espanhol teve no Indo-Pacífico sozinho ou com os portugueses: 1) Escassez de homens; 2) Escassez de recursos; 3) Decisão e execução lentas.

Alguém que estava muito ciente das fraquezas geopolíticas do império espanhol no Indo-Pacífico foi o súdito flamengo da Coroa da Espanha, Jacques de Coutre. Na segunda metade da década de 1920, de Coutre enviou quatro memórias ao rei de Espanha com recomendações geoestratégicas sobre como lidar com os portugueses.

De Coutre defendia o envio de uma grande armada hispano-portuguesa de quarenta navios que entraria no Oceano Índico pelo Cabo da Boa Esperança e atacaria e capturaria as principais posições holandesas. Ele também defendeu a restauração ou recuperação de várias fortalezas importantes que estavam em estado de degradação ou perdidas para os holandeses. Ele achava que os portugueses deveriam ser livres para negociar onde quisessem, em vez de tentar controlá-los, e que a longo prazo os lucros seriam muito maiores. Ele também defendeu que os mercadores usassem navios pequenos, de modo que, se fossem capturados pelos holandeses, as perdas seriam administráveis. De Coutre foi talvez o primeiro a perceber a importância da ilha de Singapura e dos estreitos que a rodeiam. Ele propôs a construção de duas fortalezas mutuamente apoiadas, uma na própria ilha e outra na ilha vizinha de Sentosa, e propôs a fundação de uma vila.

As ideias de De Coutre eram realmente aplicáveis? Alguns anos antes de Coutre escrever seus memoriais, uma grande expedição hispano-portuguesa havia expulsado os holandeses do Brasil. Talvez o mesmo pudesse ter sido feito no Indo-Pacífico. Minha impressão é que a Monarquia tinha muitas frentes abertas e o Indo-Pacífico não era uma prioridade; certamente era muito menos importante que o Brasil. De resto, suas análises sobre o que não ia bem e o que deveria ser feito eram muito corretas, mas a Espanha tinha cada vez menos energia para colocá-las em prática.


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Miranda Pearson

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